29.04.2013 Views

descarregar PDF - Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

descarregar PDF - Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

descarregar PDF - Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A INVENÇÃO DA AMÉRICA 80<br />

81<br />

iluminuras e gravuras, os viageiros<br />

europeus constatavam o contraste civilizacional<br />

e sublinhavam o estado <strong>de</strong> «barbárie»<br />

das socieda<strong>de</strong>s índias. Na verda<strong>de</strong>,<br />

a resistência <strong>de</strong> filósofos e cosmógrafos<br />

em incorporar a nova informação proporcionada<br />

pela <strong>de</strong>scoberta da América é um<br />

exemplo da dificulda<strong>de</strong> do Velho Mundo<br />

em gerir a diversida<strong>de</strong> <strong>cultura</strong>l e, em particular,<br />

os efeitos <strong>de</strong>sta nova realida<strong>de</strong>.<br />

Sob o ponto <strong>de</strong> vista intelectual, a<br />

<strong>de</strong>scoberta da América constituiu um<br />

<strong>de</strong>safio à Europa, na medida em que pôs<br />

em causa preconceitos europeus sobre a<br />

geografia, a história e a natureza do<br />

homem. Uma primeira barreira mental<br />

dos <strong>de</strong>scobridores era configurada por<br />

um sistema mítico com profundo<br />

enraizamento <strong>cultura</strong>l, como o É<strong>de</strong>n, os<br />

mitos da Antilha e <strong>de</strong> São Brandão, as Sete<br />

Cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Cibola, as Amazonas, o Eldorado.<br />

Por outro lado, a influência dos<br />

livros <strong>de</strong> cavalaria moldou um código <strong>de</strong><br />

conduta do conquistador que reproduzia<br />

o código <strong>de</strong> honra e fama próprio do cavaleiro<br />

medieval. A obsessão pela fama e pela<br />

riqueza fácil constituiu outro entrave a<br />

uma clara percepção do Novo Mundo. Os<br />

conquistadores manifestam uma visão economicista<br />

da natureza, <strong>de</strong>slumbrando-se<br />

com a riqueza em pérolas do Caribe ou<br />

com os tesouros mexicanos e peruanos.<br />

À medida que se avançava no <strong>de</strong>scobrimento<br />

e na conquista e os limites do<br />

Novo Mundo se alargavam, a experiência<br />

e a familiarida<strong>de</strong> com o continente permitiram<br />

um olhar mais atento e distanciado<br />

por parte dos cronistas europeus, sempre<br />

condicionados pela sua função no processo,<br />

interesses (materiais ou espirituais),<br />

formação <strong>cultura</strong>l e grau <strong>de</strong> vivência<br />

da diversida<strong>de</strong>. Daí que o soldado <strong>de</strong>screva<br />

a terra em função das condições<br />

para a conquista, o colonizador se fixe nas<br />

condições do território para a sua exploração<br />

e o evangelizador se centre num<br />

estudo etnográfico e antropológico.<br />

Em termos cognitivos, a mudança<br />

joga-se na controvérsia entre o velho e o<br />

novo, numa profunda resistência à novida<strong>de</strong><br />

e no apego aos velhos paradigmas.<br />

Os primeiros <strong>de</strong>scobridores estão profun-<br />

damente constrangidos pelos mo<strong>de</strong>los<br />

<strong>cultura</strong>is europeus, pelo que a sua percepção<br />

peca por <strong>de</strong>formação. Os cronistas-conquistadores,<br />

condicionados<br />

pelas duras condições <strong>de</strong> sobrevivência e<br />

pelos imperativos <strong>de</strong> imposição militar,<br />

estavam limitados a uma leitura utilitária,<br />

mas revelam algum distanciamento na<br />

<strong>de</strong>scrição da natureza americana. Os cronistas-evangelizadores<br />

manifestam um<br />

maior empenho na <strong>de</strong>scrição antropológica<br />

e <strong>cultura</strong>l que na <strong>de</strong>scrição geográfica<br />

e, nesse campo, apresentam um forte<br />

eurocentrismo, ainda que a imagem do<br />

índio chegue à Europa associada a virtu<strong>de</strong>s<br />

como a bonda<strong>de</strong>, a humilda<strong>de</strong> e a<br />

afabilida<strong>de</strong>. Os cronistas-gerais, como<br />

António <strong>de</strong> Herrera, mais ou menos distanciados<br />

do seu objecto narrativo,<br />

oscilam entre a contemplação e a especulação.<br />

Fernán<strong>de</strong>z <strong>de</strong> Oviedo representa a<br />

primeira atitu<strong>de</strong>, enquanto o padre José<br />

<strong>de</strong> Acosta é o expoente máximo da<br />

segunda.<br />

Em 1528, o humanista espanhol Hernán<br />

Pérez <strong>de</strong> Oliva escreveu, a propósito da<br />

preparação da segunda viagem <strong>de</strong> Colombo,<br />

que esta se <strong>de</strong>stinava a «mesclar o mundo<br />

e dar àquelas terras estranhas a forma da<br />

nossa». Segundo Edmundo O’Gorman, a<br />

América não foi <strong>de</strong>scoberta, mas inventada<br />

pelos europeus do século XVI.<br />

Oviedo apresenta Cristóvão Colombo<br />

como «primeiro inventor e <strong>de</strong>scobridor e<br />

almirante <strong>de</strong>stas Índias», enquanto Juan<br />

<strong>de</strong> Castellanos inicia o canto II das suas<br />

Elegias <strong>de</strong> varones illustres exactamente com o<br />

verso «Al oci<strong>de</strong>nte van encaminadas las<br />

naves inventoras <strong>de</strong> regiones». Nesta<br />

medida, ambos se aproximam <strong>de</strong> Nelson<br />

Goodman quando este conceptualiza o<br />

mundo como uma leitura e não como<br />

uma realida<strong>de</strong>. A visão do novo dos<br />

viageiros europeus estava condicionada<br />

pela sua expectativa, viam o que queriam<br />

ver e ignoravam aquilo para o qual não<br />

estavam preparados, num puro acto <strong>de</strong><br />

supressão e completação. Neste sentido,<br />

os navegadores, os cartógrafos, os cronistas<br />

foram inventores <strong>de</strong> regiões não só<br />

por lhes terem atribuído novos nomes,<br />

mas sobretudo porque a sua representação

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!