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CIDADES INVISÍVEIS 36<br />
Sob este fervor visível (e audível)<br />
sobrevivem e alimentam a<br />
alma <strong>de</strong> Buenos Aires os eternos<br />
mitos da gran<strong>de</strong> urbe. De resto,<br />
na América Latina (veja-se, por<br />
exemplo, o caso do México, do<br />
Peru ou <strong>de</strong> Cuba) os mitos e os<br />
ícones estão bem vivos, a par<br />
das histórias misteriosas e das<br />
lendas, como as do Lago Titicaca.<br />
Os dois gran<strong>de</strong>s mitos <strong>de</strong> Buenos<br />
Aires, para não falarmos já<br />
do próprio Perón, são Carlos<br />
Gar<strong>de</strong>l e Eva Perón.<br />
Em Buenos Aires revisitei,<br />
munido do meu ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> repórter,<br />
a rota <strong>de</strong>ssas gran<strong>de</strong>s figuras<br />
que continuam a fazer<br />
parte do imaginário porteño. Estive,<br />
Sob este fervor visível (e audível) sobrevivem e alimentam a alma<br />
<strong>de</strong> Buenos Aires os eternos mitos da gran<strong>de</strong> urbe. De resto, na América Latina<br />
(veja-se, por exemplo, o caso do México, do Peru ou <strong>de</strong> Cuba) os mitos e os<br />
ícones estão bem vivos, a par das histórias misteriosas e das lendas, como as<br />
do Lago Titicaca. Os dois gran<strong>de</strong>s mitos <strong>de</strong> Buenos Aires, para não<br />
falarmos já do próprio Perón, são Carlos Gar<strong>de</strong>l e Eva Perón<br />
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mais do que uma vez, no jazigo<br />
<strong>de</strong> Eva Perón, no cemitério <strong>de</strong><br />
La Recoleta. Na segunda vez,<br />
em 2002, a impressão que colhi<br />
foi muito forte, porque entretanto<br />
estudara os contornos<br />
da personalida<strong>de</strong> e da história<br />
<strong>de</strong>ssa mulher, cuja vida também<br />
foi recriada por mais do<br />
que uma vez no cinema (a última<br />
das quais interpretada por<br />
Madonna). E recor<strong>de</strong>mos, <strong>de</strong> tal<br />
forma foi impressiva a sua presença<br />
e memória, a opereta<br />
Don’t cry for me, Argentina, que resistiu<br />
muitas e muitas temporadas<br />
na Broadway (Nova Iorque)<br />
e em Londres.<br />
Mas a força da revisitação<br />
ao cemitério <strong>de</strong> La Recoleta ganhou<br />
significado porque muitos<br />
argentinos evocaram sentidamente<br />
a combativa Eva, precisamente<br />
no pico da crise e da<br />
bancarrota. Nessa ocasião a taxa<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego atingia 21,5%, e<br />
era a mais alta da América Latina:<br />
cinco milhões <strong>de</strong> pessoas<br />
procuravam emprego. Nessa<br />
manhã <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 2002<br />
comovi-me, observando a cerimónia,<br />
na manhã soalheira do<br />
Inverno do rio <strong>de</strong> La Plata, ouvindo<br />
os dicursos <strong>de</strong> habitantes<br />
<strong>de</strong> Buenos Aires e <strong>de</strong> dirigentes<br />
sindicais. Militantes do Sindicato<br />
dos Taxistas, envergando capas e<br />
ban<strong>de</strong>iras pretas e amarelas, cantavam<br />
a marcha peronista.<br />
A eleição do Presi<strong>de</strong>nte Kirchner<br />
acabou por traduzir o <strong>de</strong>senlace<br />
possível para aquilo que<br />
parecia ser um beco sem saída.<br />
Os chefes <strong>de</strong> família sem trabalho<br />
passaram a receber 150 pesos<br />
(50 euros) por mês, uma preciosa<br />
mas magra ajuda que não<br />
tirou ninguém do grupo dos<br />
50% do conjunto da população<br />
que vive em estado <strong>de</strong> pobreza<br />
(a Argentina tem 36 milhões <strong>de</strong><br />
habitantes). Por isso, leio nas<br />
mais recentes reportagens dos<br />
meus colegas jornalistas que no<br />
centro histórico há adolescentes<br />
que dormem nos passeios, cartoneros<br />
que recolhem embalagens<br />
abandonadas e crianças que<br />
abrem as portas dos táxis na esperança<br />
<strong>de</strong> receber um peso.<br />
Da primeira vez que estive<br />
em Buenos Aires, em 1985, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
logo se me impôs a força <strong>de</strong><br />
um outro mito, diferente mas<br />
nem por isso menos forte: Carlos<br />
Gar<strong>de</strong>l, que morreu em 24<br />
<strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1935 na Colômbia,<br />
quando um avião em que seguia<br />
se preparava para largar <strong>de</strong> Bogotá<br />
para Cali. Portanto, estava-