Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor
Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor
Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Acervo ICAO<br />
Habituei-me a chamar Antonio Olinto de<br />
“menino” e ele ria, com riso maior que o<br />
rosto. Assim chamava não só pelo poeta<br />
que tem invetera<strong>da</strong> infância, ou pelo ficcionista<br />
magistral de A <strong>casa</strong> de Água, uma <strong>da</strong>s mais<br />
consagra<strong>da</strong>s obras de nossa ficção. Ou porque<br />
o menino tinha dentro de si a própria “<strong>casa</strong> de<br />
água” <strong>da</strong> palavra, justamente aquela que toca o<br />
coração. Ou porque a palavra <strong>à</strong>s vezes era maior<br />
do que ele e se manifestava, ora na crítica (quem<br />
se esqueceu de sua “porta de livraria” do Globo,<br />
aberta aos novos?), ora na percepção de um<br />
mundo que teimava em lhe transbor<strong>da</strong>r. Chamava-o<br />
de “ menino” – não apenas como “pai do<br />
homem”, como queria o nosso Machado, mas<br />
pai do futuro. E os meninos se entendem nalgum<br />
arrabalde <strong>da</strong> meninice, e Ubá se mostrava<br />
constante no que via e sonhava. E era “o menino<br />
e o trem” de suas remotas constelações. Ativista<br />
cultural, como raros, abria bibliotecas (diretor<br />
ENCONTROS COM A LITERATURA<br />
O menino<br />
Antonio Olinto<br />
CARLOS NEJAR<br />
de cultura <strong>da</strong> Prefeitura do Rio), com a alegria<br />
de quem atinava no poder mágico e instaurador<br />
dos livros. Sua vontade minuciosa de viver era<br />
inesgotável. Com Zora, foi uma parte dessa vontade,<br />
mas a outra continuou imperturbável. Não<br />
tinha i<strong>da</strong>de, não precisava de i<strong>da</strong>de, não quis<br />
acatar i<strong>da</strong>de alguma, salvo a incrível volúpia de<br />
amar o que fazia, cercando nobremente as pessoas<br />
com sua sombra operosa. E se agora o sabemos<br />
adormecido, começam a circular também<br />
para sempre as suas palavras. E não tem i<strong>da</strong>de<br />
agora, como antes. E nem carecerá dela para<br />
descansar, como merece, <strong>da</strong> dor, dos trabalhos e<br />
de nossa incongruência humana. Dorme, mas a<br />
infância nele jamais de jamais dormirá.<br />
CARLOS NEJAR<br />
Poeta, ficcionista e critico<br />
Membro <strong>da</strong> Academia Brasileira de Letras<br />
e <strong>da</strong> Academia Brasileira de Filosofia<br />
11