Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor
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Em 1950/1953, Oswald escreve A<br />
Crise dos Filosofias Messiânicas e A Marcha<br />
<strong>da</strong>s Utopias. O primeiro escrito em<br />
1950 como tese para o concurso <strong>da</strong> Cadeira<br />
de Filosofia do USP, o segundo como uma<br />
série de artigos em jornal, e postumamente<br />
publicado pelo MEC em 1966. Esses ensaios<br />
nascem num período de crise em que<br />
Oswald, descrente do marxismo e dos rumos<br />
do socialismo no estado estalinista, depois<br />
de 15 anos de militância, afasta-se do Partido<br />
Comunis ta. Oswald aqui procura acertar o<br />
passo <strong>da</strong> cultura brasileira com a lógica <strong>da</strong><br />
utopia. Ain<strong>da</strong> que equivoca<strong>da</strong>mente, ele acerta, acerta<br />
no varejo e erra no atacado. Pois, enquanto Bloch busca<br />
a lógica <strong>da</strong> utopia no movimento dialético <strong>da</strong> história,<br />
procuran do perceber o processo que transforma a<br />
utopia abstrata em utopia concreta, Oswald faz o caminho<br />
inverso, partindo do matriarcado e <strong>da</strong> antropofagia<br />
é levado a conceber uma utopia crônica, ou seja,<br />
a utopia fora do tempo histórico. Quando dizemos que<br />
Oswald acerta é que ele procura fazer, ain<strong>da</strong> que, equivoca<strong>da</strong>mente,<br />
o resgate <strong>da</strong> utopia, numa época em que<br />
só Bloch havia descoberto a dimensão revolucionária<br />
<strong>da</strong> utopia. Oswald no Brasil foi o primeiro a tentar recuperar<br />
a tradição utópica do socialismo, procurando<br />
se desviar do marxismo positivista, que to mou conta<br />
<strong>da</strong> filosofia marxista de Engels a Stalin. Contra o burocratismo<br />
estalinista Oswald afirmava que o caminho<br />
do socialismo passava pela utopia. A tese de Oswald<br />
desenvolve-se <strong>da</strong> seguinte maneira: a) a história divide-se<br />
em Matriarcado e Pa triarcado; b) corresponde ao<br />
primeiro a antropofagia e ao segundo o messianismo;<br />
c) o renascimento do Matriarcado levaria ao fim do<br />
Estado; d) restauração tecniza<strong>da</strong> <strong>da</strong> antropofagia; e)<br />
crença na ideologia do progresso.<br />
Nessa confusão geral Oswald confunde uma<br />
fase <strong>da</strong> história (Matriarcado/Patriarcado) com o desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> história em si mesma. Essa confusão<br />
<strong>da</strong>s premissas leva a que as conclusões sejam<br />
ain<strong>da</strong> mais confusas. Como notou Benedito Nunes<br />
em seu ensaio “Oswald Canibal”: “Os Tupinambás<br />
que praticavam a antropofa gia ritual não conheceram<br />
nem o matriarcado nem deram <strong>à</strong> mulher qualquer<br />
posição de relevância social”.<br />
Nessa tese de Oswald de que o retorno <strong>à</strong> antropofagia<br />
seria o retorno a uma suposta l<strong>da</strong>de de Ouro<br />
do homem, apenas acentua-se o equívoco de Oswald<br />
em pregar um retorno <strong>à</strong> pré-história do homem, como<br />
se a história, como um carro alegó rico, pudesse <strong>da</strong>r<br />
marcha a ré.<br />
Por outro lado, para fun<strong>da</strong>mentar a sua cren ça<br />
na ideologia do progresso Oswald usa como re ferência<br />
o livro A Revolução Gerencial, de James Burnham, um<br />
dos gurus do imperialismo norte-ame ricano. O positivismo<br />
dessa tese levou Oswald a crer que o trabalho<br />
como exploração do trabalhador desapareceria<br />
no capitalismo avançado, que no futuro o capitalismo<br />
conseguiria superar a contradição entre capital<br />
e trabalho. Segundo Oswald, deixaríamos o reino do<br />
negócio e entraríamos no paraíso do ócio. Tese claramente<br />
equivoca<strong>da</strong>, não le vando em conta que a mais-<br />
ENCONTROS COM A LITERATURA<br />
Capas de Oswald Plural e do catálogo <strong>da</strong> exposição<br />
valia absoluta sempre se harmonizou com a maisvalia<br />
relativa na história do processo de acumulação<br />
do capitalismo. Assim como Marx afirmava, a citação<br />
é do próprio Oswald, que na passagem para o capitalismo<br />
na Inglaterra os carneiros comeram os homens,<br />
hoje a barbárie tecnológica devora os homens<br />
de forma muito mais sofistica<strong>da</strong>. A tese de Oswald de<br />
que numa socie<strong>da</strong> de controla<strong>da</strong> o Estado junto com<br />
o patriarcalismo seriam suprimidos, leva-nos ao estarrecimento,<br />
pois lembra-nos a socie<strong>da</strong>de controla<strong>da</strong><br />
que foi a Ale manha nazista com seus campos <strong>da</strong><br />
morte. Serve de exemplo também a socie<strong>da</strong>de na qual<br />
vivemos, que é a socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reificação total, cujo<br />
controle extensivo é exercido pelo poder do capital.<br />
Pode mos dizer que Oswald acertou quando trouxe<br />
para o centro <strong>da</strong> discussão o tema <strong>da</strong> utopia, mas<br />
que apesar do seu otimismo militante ele colocou no<br />
futuro a máscara do passado.<br />
A cotação <strong>da</strong> utopia está em baixa, o horizonte<br />
utópico e, portanto, os planos de uma socie<strong>da</strong>de mais<br />
justa num mundo mais humanizado estão fora de<br />
<strong>mo<strong>da</strong></strong>. As teses pós-modernistas dão como certo o fim<br />
<strong>da</strong> história e assinam o atestado de óbito <strong>da</strong> utopia<br />
socialista. Nesse ver<strong>da</strong>deiro apocalipse <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
“pós-industrial”, os teóricos pós-modernos afirmam<br />
a canonização do mundo burguês e a eterni<strong>da</strong>de do<br />
burguesia capitalista. Mas sabemos que o espaço <strong>da</strong><br />
esperança usur pado pelos especuladores <strong>da</strong> razão neoconservadora<br />
não nos levou, apesar dos vaticínios<br />
que fizeram, ao fim <strong>da</strong> história, nem sequer ao fim<br />
de um período <strong>da</strong> história. Neste tempo de crise do<br />
socialismo, a dialética do ser e <strong>da</strong> história concentra<br />
a sua capaci<strong>da</strong>de de resistir no novo espírito <strong>da</strong> utopia.<br />
Um espectro ron<strong>da</strong> o século XXI – o espectro <strong>da</strong><br />
utopia concreta do socialismo, contido no princípio<br />
esperança, que aponta para o futuro já presente no<br />
coração dos homens, que nos faz afirmar com as palavras<br />
do poeta Drummond:<br />
Estou preso <strong>à</strong> vi<strong>da</strong> e olho meus companheiros.<br />
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.<br />
Entre eles, considero a enorme reali<strong>da</strong>de.<br />
O presente é tão grande, não nos afastemos.<br />
Não nos afastemos muito, vamos de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />
CARLOS LIMA<br />
Poeta<br />
<strong>Professor</strong> de Cultura e Literatura Brasileira <strong>da</strong> UERJ<br />
Autor de Genealogia Dialética <strong>da</strong> Utopia (Contraponto,<br />
2008), e Phosphoros (Comunicarte, 2007)<br />
* in Oswald Plural (EdUERJ, 1995)<br />
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