09.05.2013 Views

Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor

Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor

Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A construção <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong><br />

Central, grande marco <strong>da</strong> reforma,<br />

criava as condições de comunicação<br />

entre o centro comercial e o<br />

porto, também reformado. Além<br />

disso, integrava-se <strong>à</strong> nova Aveni<strong>da</strong><br />

Beira Mar, facilitando o transcurso<br />

de ricos e estrangeiros que<br />

moravam e se hospe<strong>da</strong>vam na região<br />

de Glória, Catete e Botafogo.<br />

A mobilização provoca<strong>da</strong><br />

pelas mu<strong>da</strong>nças continuava. Ca<strong>da</strong><br />

um buscava garantir novos negócios.<br />

Os restaurantes se enchiam<br />

na hora do almoço e, <strong>à</strong> tardinha, as<br />

confeitarias ofereciam o refrigério<br />

ao calor tropical. Das mesas, a família<br />

burguesa carioca observava a<br />

grande obra: de um lado, pessoas<br />

elegantemente traja<strong>da</strong>s, finamente<br />

vesti<strong>da</strong>s, simpaticamente uniformiza<strong>da</strong>s e, de outro,<br />

com outros olhos, pessoas sobriamente vesti<strong>da</strong>s e<br />

dignas de uma ci<strong>da</strong>de moderna – os trabalhadores.<br />

A finura e a atenção educa<strong>da</strong> – o saber ouvir<br />

–, a singeleza dos modos e gestos e a tranquili<strong>da</strong>de<br />

do an<strong>da</strong>r – que, para João do Rio, decorria do calor<br />

e não <strong>da</strong> elegância – contrastavam com aquela<br />

“antiga” ci<strong>da</strong>de.<br />

No entanto, a “nação subterrânea” mantevese.<br />

Ao lado do requinte do homem moderno, produziram-se<br />

tipos urbanos ligados aos “acampamentos<br />

<strong>da</strong> miséria”. Eram as profissões ignora<strong>da</strong>s, descritas<br />

por João do Rio, em A Alma Encantadora <strong>da</strong>s Ruas:<br />

os “fumadores de ópio”, “os presepes”, “os vendedores<br />

de santinhos” e de “livros populares”, “os marcadores”,<br />

“os trapeiros”, “os ratoeiros”, “os selistas”<br />

e uma infini<strong>da</strong>de de profissões desenvolvi<strong>da</strong>s pela<br />

“academia <strong>da</strong> miséria”.<br />

Esse mundo desconhecido e encoberto foi o<br />

contraste <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, que efetivamente ganhou<br />

espaço com as alterações provoca<strong>da</strong>s pelas reformas<br />

urbanas. Entretanto, tudo isso representava civilização<br />

para aqueles que defendiam o progresso pela via<br />

dos impulsos capitalistas.<br />

Se de um lado criou-se uma imagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />

do progresso, <strong>da</strong> capital-nação, que protegia e<br />

garantia a riqueza e que continha to<strong>da</strong>s as imagens<br />

<strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de parisiense, de outro tinha-se uma<br />

ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> miséria que também protegia, mas não<br />

garantia a sobrevivência e que, no final, mostrava<br />

que a rua acabava na prisão.<br />

O Rio de Janeiro era uma grande metrópole,<br />

avança<strong>da</strong> na sua arquitetura e renova<strong>da</strong> socialmente.<br />

A ci<strong>da</strong>de maravilhosa fora concluí<strong>da</strong>, porém<br />

seu futuro não estava assegurado. A direção<br />

conservadora não sabia <strong>da</strong>r conta dos novos tempos,<br />

não se acostumava com as greves e os movimentos<br />

sociais urbanos.<br />

O cosmopolitismo, sem tradição, excluía<br />

<strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de não os homens, mas as formas<br />

LEITURA, LEITURAS<br />

Obras de ampliação <strong>da</strong> rede de tráfego eletrificado, no Centro do Rio de<br />

Janeiro. Augusto Malta, 1906<br />

de transformá-los, e simultaneamente acentuava<br />

a dependência externa, inviabilizando a formação<br />

de um mercado interno.<br />

Mesmo diante dessas contradições e <strong>da</strong>s imagens<br />

confusas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, cheias de névoas, o frisson<br />

era total, não se comentava outra coisa. A Light anunciava,<br />

com a clari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz elétrica, um tempo de<br />

mu<strong>da</strong>nças nas quais as construções eram realça<strong>da</strong>s<br />

assim como eliminados os medos <strong>da</strong> escuridão, abrindo<br />

a ci<strong>da</strong>de <strong>à</strong> noite e com isso ao espetáculo <strong>da</strong>s diversões,<br />

<strong>à</strong> vi<strong>da</strong> boêmia mais intensa.<br />

Os bondes elétricos e os automóveis anunciavam<br />

o novo tempo e com eles as novas <strong>mo<strong>da</strong></strong>s teatrais,<br />

líricas e populares, <strong>da</strong>ndo margem <strong>à</strong> criação de<br />

um gênero particular idealizado por Arthur Azevedo,<br />

as revistas do ano, nas quais eram apresentados os<br />

fatos mais marcantes do ano que decorrera.<br />

A Aveni<strong>da</strong> Central <strong>da</strong>va o tom como ícone <strong>da</strong>s<br />

reformas empreendi<strong>da</strong>s por Pereira Passos e nela estava<br />

representado o progresso <strong>da</strong> nova ci<strong>da</strong>de. Nas<br />

construções art-nouveau, nas <strong>mo<strong>da</strong></strong>s usa<strong>da</strong>s pelas<br />

mulheres elegantes, nas confeitarias onde predominava<br />

o gosto sofisticado pelo sorvete de pistache, nas<br />

livrarias e nos cabarés.<br />

Referências<br />

RODRIGUES, Antonio Edmilson M. João do<br />

Rio, a ci<strong>da</strong>de e o poeta. Rio de Janeiro: Ed. <strong>da</strong><br />

FGV, 2000.<br />

ABREU, Mauricio de Almei<strong>da</strong>. Evolução urbana<br />

do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO: J.<br />

Zahar, 1987.<br />

NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical:<br />

socie<strong>da</strong>de e cultura de elite no Rio de Janeiro<br />

na vira<strong>da</strong> do século. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s<br />

Letras, 1993.<br />

ANTONIO EDMILSON MARTINS RODRIGUES<br />

Livre Docente em História do Brasil pela UERJ<br />

<strong>Professor</strong> Assistente <strong>da</strong> PUC-Rio e Adjunto <strong>da</strong> UERJ<br />

35

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!