Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor
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Hoje, como complemento desse exemplo de<br />
ousadia de um Vice-Rei e de criativi<strong>da</strong>de de<br />
um artista mulato, o Passeio acolhe o maior<br />
número de bustos por metro quadrado <strong>da</strong><br />
América Latina, homenageando pessoas que<br />
foram importantes para as artes e a cultura<br />
brasileiras, como atestado de memória e reconhecimento.<br />
Com a chega<strong>da</strong> de D. João (mais tarde,<br />
VI) a ci<strong>da</strong>de se modificou: por sua determinação,<br />
criaram-se as primeiras normas urbanas,<br />
e a cultura floresceu. A memória do Segundo<br />
Império foi preserva<strong>da</strong> pelos primeiros<br />
monumentos históricos, como o de D. Pedro<br />
I, na Praça Tiradentes, de 1862; o de José Bonifácio,<br />
de 1872; e os primeiros mobiliários<br />
funcionais em rede pública, como os postes<br />
de iluminação pública do Barão de Mauá, as<br />
colunas de ventilação de esgoto de Gary e os<br />
diversos tipos de bancos de praças.<br />
Outros mobiliários importantes do final<br />
do século XIX foram as bancas de jornal<br />
e os quiosques, estes maltratados por Pereira<br />
Passos, mas que hoje representam, mais do<br />
nunca, o modo de vi<strong>da</strong> carioca. Pelo lado artístico,<br />
a ci<strong>da</strong>de passou a ser a segun<strong>da</strong> do<br />
mundo, depois de Paris, com o maior número<br />
de obras em ferro fundido do Val D’Osne: fontes,<br />
esculturas e objetos urbanos decorativos<br />
que se encontram em jardins e praças.<br />
Mas a grande mu<strong>da</strong>nça veio com a<br />
República, graças <strong>à</strong> reforma Pereira Passos,<br />
no começo do século XX. Pela primeira vez<br />
a ci<strong>da</strong>de foi pensa<strong>da</strong> e transforma<strong>da</strong> com a<br />
presença ostensiva de seus mobiliários implantados<br />
nas aveni<strong>da</strong>s Beira Mar, Rio Branco<br />
e na orla <strong>da</strong> Zona Sul: os postes artísticos,<br />
os relógios <strong>da</strong> Glória e do Largo <strong>da</strong> Carioca e<br />
o marco principal dessa mu<strong>da</strong>nça, o obelisco<br />
<strong>da</strong> Av. Rio Branco. O embelezamento urbano,<br />
via feição tipicamente francesa, se completou<br />
pela abertura <strong>da</strong> Av. Atlântica e <strong>da</strong> Praça Paris,<br />
de Alfredo Agache, já na terceira déca<strong>da</strong>.<br />
A memória urbana como cultura e evolução<br />
do Rio de Janeiro está bem representa<strong>da</strong> pelo<br />
trajeto que vai <strong>da</strong> Cinelândia, passando pela<br />
Lapa, atinge o Largo <strong>da</strong> Glória e se encerra<br />
nos jardins do Museu <strong>da</strong> República.<br />
O descenso e o descaso <strong>da</strong> implantação<br />
de mobiliários como memória <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
iniciaram-se na era getulista e, logo a seguir,<br />
pela presença ostensiva do automóvel. A ci<strong>da</strong>de<br />
não era mais pensa<strong>da</strong> para deleite de<br />
seus habitantes, mas para uso do carro e pelo<br />
valor monetário de seus espaços. A maior<br />
prova disso é a Av. Presidente Vargas e a ocupação<br />
desordena<strong>da</strong> de Copacabana.<br />
LEITURA, LEITURAS<br />
Com a ci<strong>da</strong>de transforma<strong>da</strong> em Estado,<br />
e apesar <strong>da</strong> construção de grandes vias<br />
para o automóvel, a memória se preservou<br />
pela construção do belo Aterro do Flamengo<br />
e suas peculiari<strong>da</strong>des interessantes em mobílias<br />
funcionais, monumentais, simbólicas<br />
e de lazer: o Monumento aos Pracinhas, os<br />
altos postes de iluminação, os diversos tipos<br />
de bancos, os quiosques, os brinquedos, etc.<br />
Mesmo a ci<strong>da</strong>de se voltando para o<br />
automóvel, a boa e tradicional mania dos cariocas<br />
de implantar monumentos históricos<br />
e esculturais não arrefeceu: nas praças e locais<br />
de movimento sempre aparece um monumento,<br />
uma escultura ou um marco, representando<br />
uma administração ou uma época<br />
política. Uma riqueza cultural que deve ser<br />
olha<strong>da</strong> com mais atenção.<br />
A última fase que pode e deve representar<br />
a memória <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, enquanto mobília<br />
urbana, foi o projeto Rio-Ci<strong>da</strong>de, iniciado na<br />
déca<strong>da</strong> de 1990, e que trouxe <strong>à</strong> tona a ideia<br />
de se implantar mobiliários urbanos funcionais<br />
e artísticos em determinados espaços ou bairros.<br />
O Rio-Ci<strong>da</strong>de representa a moderni<strong>da</strong>de e<br />
a civili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de através de sua mobília,<br />
basta ver os artefatos funcionais do Leblon, os<br />
diversos tipos de postes, mobiliários de comunicação<br />
e sinalização e a excelente ideia de se<br />
colocar nos bairros onde o projeto foi executado<br />
esculturas em bronze alusivas a personagens<br />
importantes na cultura citadina e brasileira,<br />
como Noel Rosa em Vila Isabel e Drummond de<br />
Andrade em Copacabana. Embora recente, essa<br />
história tem que ser preserva<strong>da</strong>, porque indica<br />
o caminho <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de em busca <strong>da</strong> melhoria dos<br />
espaços urbanos, do bem-estar dos ci<strong>da</strong>dãos e,<br />
principalmente, <strong>da</strong> importância do mobiliário<br />
urbano como memória e cultura.<br />
Desde o primeiro artefato implantado no<br />
cenário urbano <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Sebastião do<br />
Rio de Janeiro – o Marco de Fun<strong>da</strong>ção, de 1565<br />
–, até os que hoje lhe atestam a moderni<strong>da</strong>de<br />
de ci<strong>da</strong>de global, o mobiliário urbano foi e é<br />
parte integrante de sua história e como tal deve<br />
ser mais conhecido, favorecido e preservado.<br />
Assim, a memória enquanto cultura e medi<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> evolução de uma ci<strong>da</strong>de seria expressa sob<br />
o prisma do detalhe e do pontual, e a melhor<br />
representação desse fato é o seu mobiliário urbano,<br />
tão pouco percebido, mas sempre testemunho<br />
presente <strong>da</strong> história <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des.<br />
REGINALDO SAH<br />
Arquiteto e designer<br />
Pesquisador, com publicações sobre design e<br />
mobiliário urbano<br />
Consultor de Ciência e Tecnologia<br />
Fotos do autor<br />
Cruzeiro<br />
<strong>da</strong> Igreja<br />
do Alto <strong>da</strong><br />
Boa Vista<br />
Fonte<br />
(Val D’Osne)<br />
<strong>da</strong> Ensea<strong>da</strong><br />
de Botafogo<br />
Fonte (Bebedouro) Stella<br />
do Jardim Botânico<br />
Coreto <strong>da</strong> Vista Chinesa no<br />
Alto <strong>da</strong> Boa Vista<br />
Em frente<br />
<strong>à</strong> sede dos<br />
Correios,<br />
Av. Pres.<br />
Vargas