Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor
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pelo pão e o vinho, e eis que se tem, na diferença<br />
<strong>da</strong> matéria, a identi<strong>da</strong>de do rito. O mito é o império<br />
<strong>da</strong> conotação. E se interiorizando o pão e o vinho,<br />
no sentido do mito, exercito a metáfora do corpo de<br />
Cristo, abrigando a conotação <strong>da</strong> graça, meu irmão<br />
índio, no ato antropofágico, ambiciona assimilar<br />
as quali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> sua comi<strong>da</strong> heroica. Não se deglute<br />
o covarde, não se sacrifica o covarde. O indígena<br />
só consome o herói, despreza o fraco.<br />
Tu choraste em presença <strong>da</strong> morte?<br />
Na presença de estranhos choraste?<br />
Não descende o cobarde do forte;<br />
Pois choraste, meu filho não és!<br />
Quando Oswald decreta a antropofagia, ele<br />
proclama, mais do que um comportamento nacional,<br />
um comportamento cultural e estético do homem.<br />
Veja-se, por exemplo, o Quixote de Cervantes.<br />
No rastro <strong>da</strong> ação e <strong>da</strong> palavra oswaldiana,<br />
caminhavam séculos de história. Desfilava um sem<br />
número de confrades. E evidenciava, no campo do<br />
discurso, um aspecto que, no mais <strong>da</strong>s vezes, é negligenciado.<br />
Um texto é a absorção e transformação<br />
de outros textos, já se disse.<br />
A antropofagia cultural e poética é apropriação.<br />
É isso. Apropriar-se do discurso do outro. Não<br />
torná-lo proprie<strong>da</strong>de, mas tornar próprio o que é<br />
estranho. Machado, sem grandes ginásticas teóricas,<br />
tinha o risco do bor<strong>da</strong>do. E o seguia quando<br />
elaborava a sua ficção ou quando exercia a função<br />
de crítico:<br />
...pode [o autor] ir buscar a especiaria alheia,<br />
mas há de ser tempera<strong>da</strong> com o molho de sua<br />
fábrica... /...tiro de ca<strong>da</strong> coisa uma parte e<br />
faço dela o meu ideal de arte, que abraço e<br />
defendo.../...Que a evolução natural <strong>da</strong>s coisas<br />
modifique as feições, a parte externa, ninguém<br />
jamais negará; mas há alguma coisa que liga,<br />
através dos séculos, Homero e Lord Byron, alguma<br />
coisa inalterável, que fala a todos os homens<br />
e a todos os tempos.<br />
Antropofágico antes de Oswald. Bakhtiniano<br />
antes de Bakhtin. Não é Bakhtin que diz que o único<br />
discurso absolutamente original seria o adâmico?<br />
Carregamos o já-visto, o já-feito, o já-ouvido, o já-lido.<br />
Somos vítimas desse já constitutivo do mundo. Na<br />
ver<strong>da</strong>de o discurso é sempre um mosaico de citações.<br />
Antes, entretanto, <strong>da</strong> pena do riso e <strong>da</strong> tinta<br />
<strong>da</strong> melancolia de Machado, Gonçalves Dias, com a<br />
pena indianista e a tinta do medievo, reescrevia a<br />
cantiga de amor (“Canção do Exílio”) e a cantiga<br />
de amigo (“Leito de folhas verdes”). E Alencar, em<br />
Iracema, usando a mesma pena do maranhense,<br />
mas a tinta cristã, faz a antropofagia de bon sauvage,<br />
colocando a Bíblia no subtexto. O retrato de<br />
LEITURA, LEITURAS<br />
In As escolas de Lan. Ilustração cedi<strong>da</strong> pelo autor<br />
Iracema, que acolhe o herói lusía<strong>da</strong>, é similar ao<br />
retrato de Raquel, a ama<strong>da</strong> de Salomão, no Cântico<br />
dos Cânticos (nigra sum sed formosa), ambas com<br />
talhe de palmeira e os lábios de mel. “Tu és Moacir,<br />
o nascido do meu sofrimento” é a tradução, em<br />
tupi, <strong>da</strong> frase de Raquel, quando próxima <strong>da</strong> morte,<br />
para <strong>da</strong>r vi<strong>da</strong> a Benjamin: “Tu te chamarás Benôni,<br />
filho <strong>da</strong> minha dor”. M. Cavalcanti Proença,<br />
autor <strong>da</strong> empreita<strong>da</strong> de levantar os símiles bíblicos<br />
na novela do cearense, ressalta, ain<strong>da</strong>, que Benôni<br />
e Moacir são similares no fato de que, um, filho de<br />
Jacob, de descendência de reis, a ele Deus prometera<br />
as terra que haviam sido de Abraão e de Esaú;<br />
ao outro, Moacir, de descendência também ilustre,<br />
caberia a herança <strong>da</strong> terra americana.<br />
O que faz a antropofagia oswaldiana é levantar o<br />
véu de Maya, ao promover o encontro <strong>da</strong> antropofagia<br />
com o carnaval, do aimoré com o rei Momo.<br />
O carnaval – ensina-nos Bakhtin – é um espetáculo<br />
sem ribalta, sem divisão entre atores e<br />
espectadores. Nele todos são participantes ativos,<br />
vivendo o efêmero, revoga<strong>da</strong>s as leis, proibições<br />
e restrições <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> comum. Suspende-se, basicamente,<br />
o sistema hierárquico e to<strong>da</strong>s as “formas<br />
conexas de medo, reverência, etiqueta etc”. Festa<br />
profana, sua marca principal é a excentrici<strong>da</strong>de.<br />
Não tem lugar para o absoluto, nem para a hierarquização<br />
que encontramos no dia a dia. O carnaval<br />
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