Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor

Salim Miguel, libanês – 1924, chegou ao
Brasil com 3 anos, radicando-se na infância em
SC. Reconhecido como um dos mais destacados
ficcionistas, é também contista, cronista e
ensaísta. Participou do movimento modernista
catarinense, Grupo Sul, a partir de 1940. Com
a mulher, a escritora Eglê Malheiros, foi coautor
do primeiro longa-metragem catarinense – O
Preço da Ilusão.
Em 1965, depois de ser preso pelo Regime
Militar, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde
editou a revista Ficção e trabalhou para a Editora
Bloch. Foi diretor da Editora da UFSC e dirigiu a
Fundação Cultural Franklin Cascaes, 1993-96.
Entre seus livros destacam-se os romances
Nur na escuridão, A voz submersa e Jornada
com Rupert; O Sabor da Fome, e uma seleta na co-
o escritor alemão e, numa época sem
Internet, Google e outras ferramentas
do tipo, só mesmo apelando para sua
cultura literária.
Das nossas conversas surgiu a
idéia de relançar Ficção. Eglê e Laura,
entusiasmadas com o projeto, incentivaram
os maridos, preocupados com
os aspectos financeiros da empreitada.
Convidamos Fausto Cunha para
participar do grupo e os cinco, feito
um exército Brancaleone literário,
lançamos a revista, e logo correu pela
praça a pergunta: que grupo econômico
estaria por trás de Ficção? Mal
sabiam os interessados que o único
grupo financeiro a sustentar a Ficção
eram os nosso pálidos contracheques.
Nesta aventura literária na qual
nos empenhamos com entusiasmo,
uma certa dose de ingenuidade e muito
trabalho, seria difícil dissociar a
atividade de Salim e Eglê. Ambos escritores,
intelectuais inseridos na discussão
(e na ação) das lutas sociais
daquela hora, encontravam tempo
para, ao nosso lado e de Fausto, ler
originais, escolher os melhores textos,
aconselhar os que se mostravam
promissores e até mesmo encontrar
formas para dizer aos medalhões,
que não podíamos publicar este ou
aquele texto retirado do fundo da gaveta
e enviado para revista.
Com o sacrifício do tempo que
poderia utilizar no desenvolvimento
de sua própria obra literária, Salim
ENCONTROS COM A LITERATURA
leção Melhores Contos
lançado este ano
pela Global.
Recebeu entre
outros o Troféu
Juca Pato, como intelectual
do Ano de
2002, e o Prêmio
Zaffary-Bourbon,
para melhor romance
publicado
entre 1999-2001.
Em julho passado,
pelo conjunto da
obra, foi agraciado com o Prêmio Machado de
Assis, da ABL, para autores expoentes de nossa
literatura.
dedicou-se a um trabalho que, durante
quatro anos, agitou a vida literária brasileira.
Em quarenta edições, Ficção revelou
nomes novos, valorizou escritores
esquecidos e despertou em muitos leitores
o desejo de narrar experiências, contar
casos ou registrar em prosa ficcional
aspectos da realidade brasileira.
Um trabalho cultural de repercussão
internacional, comprovado pelas várias
assinaturas de universidades estrangeiras
registradas no cadastro de Ficção,
realizado por uma equipe que, já nos anos
maduros, mostrava entusiasmo juvenil na
preparação de cada edição. E no qual Salim,
com seu imenso coração, sua capacidade
de trabalho, talento e cultura era
sempre o primeiro a acolher os textos dos
mais jovens, alguns dos quais, hoje, passados
mais de vinte anos, se destacam
na literatura brasileira.
Conviver e trabalhar com Salim
Miguel e Eglê Malheiros naquela época,
e falo por mim e pela Laura, enriqueceu
nossas vidas, não só do ponto de vista
literário e cultural, mas pela amizade
generosa que nos ofereceram e que só
fez aumentar desde os anos nos quais,
com o nosso querido, saudoso e sempre
lembrado Fausto Cunha, fizemos uma revistinha
que na realidade marcou fundo
a história recente da literatura brasileira:
a Ficção.
CÍCERO SANDRONI
Jornalista e escritor
Presidente da Academia Brasileira de Letras
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