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Antropofagia à moda da casa - Conexão Professor

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LEITURA, LEITURAS<br />

Índios brasileiros em ritual antropofágico, gravura de Theodore de Bry, in Voyage au Brésil, 1592<br />

ANTROPOFAGIA <strong>à</strong> <strong>mo<strong>da</strong></strong> <strong>da</strong> <strong>casa</strong><br />

Na déca<strong>da</strong> dos 20, o Brasil e os brasileiros foram<br />

“descobertos”. É emblemática desta descoberta<br />

a proposta de Oswald de Andrade de<br />

converter a <strong>da</strong>ta em que os aimorés comeram o Bispo<br />

Sardinha em primeira manifestação histórica brasileira.<br />

Festejar o ato canibal – suprema barbárie para<br />

o olhar europeu – em afirmação de uma protonacionali<strong>da</strong>de<br />

confere transcendência no comer o importado<br />

e o resultado dessa transformação torna-se algo<br />

virtuoso. O gênio de Oswald transformou o tabu em<br />

totem; sabia que o escân<strong>da</strong>lo é pe<strong>da</strong>gógico.<br />

No século XIX, houve o esforço de buscar no<br />

índio a origem <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de brasileira. Gonçalves<br />

Dias transformou o ato canibal em ritual de perpetuação<br />

do inimigo valente. Em I-Juca Pirama a comi<strong>da</strong><br />

luta como herói grego em busca do resgate de sua<br />

imagem ante o pai. As virtudes do índio são coteja<strong>da</strong>s<br />

em convívio com o colonizador em José de Alencar,<br />

que cunha Iracema como “a virgem dos lábios de<br />

mel”. O índio de Alencar é uma réplica europeia.<br />

“Comer” a cultura importa<strong>da</strong> não é um retorno<br />

<strong>à</strong> natureza. No plano simbólico, foi o colonizador que<br />

CARLOS LESSA<br />

importou o Bispo “comido”. O aimoré não tecnizado lançou<br />

mão do que sabia para “experimentar” o colonizador.<br />

Ao longo de séculos a colônia – através de sua elite<br />

de poder, de ter e de saber – importou cultura, no amplo<br />

sentido antropológico, e despiu o nativo de seus saberes<br />

e haveres, inclusive dos ventres de suas mulheres para<br />

produzir os caboclos mestiços. A importação de africanos<br />

– objeto de canibalização cultural – foi uma tentativa<br />

radical de o colonizador desconhecer o nativo. No<br />

terreiro do candomblé, o africano agradeceu ao “caboclo”<br />

a cessão <strong>da</strong> terra. O ingênuo movimento indianista<br />

procurou no nativo o “doador” de um Paraíso Tropical e<br />

legitimizou a proprie<strong>da</strong>de do território brasileiro. Pedro<br />

II se coroou utilizando um manto com papos de tucanos<br />

e folhas de bananeira, estilizados e bor<strong>da</strong>dos em fios de<br />

ouro. Valorizou, superficialmente, apenas bugigangas<br />

do Paraíso Tropical, indisponíveis na Europa. Afirmou:<br />

“são minhas”. Ao combinar o tucano nativo com a musa<br />

paradisíaca africana, não canibalizou, apenas importou<br />

o formato europeu; quem “canibalizou” o imperador<br />

foi o povão que, no século XX, reprocessa a história<br />

do império como enredo de escola de samba e com-<br />

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