Untitled - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFMG
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2.3.2 “Fermentação/Firme intenção”<br />
Gabrielle Buffet-Picabia apresentará seu amigo Marcel num artigo dos Cahiers d’Art<br />
<strong>de</strong> 1936, pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> criação dos Rotoreliefs <strong>de</strong> 1935, para divulgá-los junto ao<br />
público, bem como a obra do artista Marcel Duchamp. Segundo ela, os Rotoreliefs teriam<br />
surgido, “não <strong>de</strong> uma curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> científica, mas <strong>de</strong> uma inexplicável predileção do autor<br />
pelo círculo.” 243 Vêm em segui<strong>da</strong> consi<strong>de</strong>rações pertinentes sobre a busca duchampiana <strong>de</strong><br />
reverter qualquer coisa: “um estado <strong>de</strong> dissidência que po<strong>de</strong> ser a chave <strong>da</strong> obra <strong>de</strong><br />
Duchamp”; “ele próprio apaixonado pela dialética e a controvérsia”; “necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
controvérsia e <strong>de</strong> combinação”; 244 etc.<br />
Precisamos <strong>da</strong>r um salto até os anos 1940 e focalizar Prière <strong>de</strong> toucher (Favor tocar),<br />
capa, <strong>de</strong>sta vez, em três dimensões do catálogo <strong>da</strong> exposição Le Surréalisme en 1947, na<br />
galeria Maeght, Paris. Capa em que não se trata <strong>de</strong> círculo, mas sim <strong>de</strong> rotundi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> toque<br />
e <strong>de</strong> mol<strong>da</strong>do, mais ain<strong>da</strong> do que <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem, pois Duchamp colocou ali um seio <strong>de</strong><br />
espuma que a contra-capa convi<strong>da</strong> a tocar com a seguinte inscrição: “Favor tocar”.<br />
Reproduzido em volume, um seio falso cujo bout (ponta) Duchamp retocou com aquarela,<br />
com a aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> Enrico Donati. 245 Esse procedimento não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> apresentar afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s com<br />
as preocupações físicas e teóricas formula<strong>da</strong>s <strong>da</strong> seguinte maneira por Duchamp: “O ato<br />
erótico é uma situação quadridimensional perfeita […]. Por conseguinte, o ato <strong>de</strong> amor como<br />
sublimação tátil po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado ou, antes, sentido como uma apreensão física <strong>da</strong> quarta<br />
dimensão.” 246 Observemos que o leitor é convi<strong>da</strong>do na contra-capa do catálogo a tocar o seio<br />
que ele não vê por estar olhando e lendo o “favor tocar”; ele o verá somente se ele se dignar<br />
a virar, até por simples prazer <strong>da</strong> curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> — remetemos à i<strong>de</strong>ia do prazer <strong>da</strong>quele que vê<br />
se “elevar” em relevo um anáglifo — o catálogo que tem nas mãos.<br />
Ao folhearmos lentamente o catálogo raisonné <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Marcel Duchamp, <strong>da</strong><br />
exposição Beaubourg, observamos, pelas <strong>da</strong>tas, um espaçamento, um <strong>de</strong>saceleramento <strong>da</strong><br />
produção após o Grand Verre, que po<strong>de</strong>ria justificar os comentários <strong>de</strong> André Breton já<br />
citados. Há, certamente, algo que o leitor não nota <strong>de</strong> imediato. Por exemplo, percebemos<br />
apenas recentemente que a bor<strong>da</strong> do disco <strong>de</strong> cobre <strong>da</strong> Rotative Demi-Sphère (Rotativa semi-<br />
243 BUFFET-PICABIA. Aires abstraites, p. 80.<br />
244 BUFFET-PICABIA. Aires abstraites, p. 82, 86 e 89, respectivamente.<br />
245 CABANNE. Marcel Duchamp: Engenheiro do tempo perdido, p. 147.<br />
246 OTTINGER. Marcel Duchamp <strong>da</strong>ns les collections du Centre georges Pompidou, p. 110.<br />
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