Untitled - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFMG
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gosto — o “Hamlet” <strong>de</strong> Laforgue sobretudo. Mas talvez eu estivesse menos atraído pela<br />
poesia <strong>de</strong> Laforgue do que por seus títulos […]” 52 . Surpreen<strong>de</strong>nte para alguém que<br />
confessava não ser muito literário naquele momento, como confiou a Cabanne a respeito<br />
<strong>de</strong>sse projeto <strong>de</strong> ilustração. 53 Mais adiante, ele afirma: “No <strong>de</strong>senho Encore à cet astre a<br />
personagem sobe a esca<strong>da</strong>. Mas enquanto eu trabalhava nele, a i<strong>de</strong>ia do Nu, ou o título —<br />
não me lembro bem — me veio ao espírito.” 54<br />
É significativo o interesse <strong>de</strong> Duchamp pela literatura que lhe é contemporânea, ele<br />
vai bem além <strong>da</strong> leitura rápi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Laforgue. Françoise Le Penven tentará fazer um<br />
levantamento <strong>da</strong>s leituras <strong>de</strong> Duchamp antes e durante a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Notas. A autora precisa:<br />
“Consi<strong>de</strong>rar ca<strong>da</strong> volume <strong>da</strong> biblioteca <strong>de</strong> Marcel Duchamp é uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> paradoxalmente<br />
metafórica. Sua arte é literária, mas a biblioteca nunca se fixou em lugar algum.” Mais<br />
adiante: “Ele se <strong>de</strong>sfazia até mesmo <strong>de</strong> seus livros cultes” 55 : Stéphane Mallarmé, Alfred<br />
Jarry, Alphonse Allais, Jean-Pierre Brisset, Jules Laforgue, para citar apenas alguns<br />
(provavelmente todos foram lidos e relidos até 1968) e antes <strong>da</strong> leitura <strong>de</strong> outros autores<br />
<strong>de</strong>terminantes para sua obra, como Raymond Roussel, como veremos mais <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente.<br />
Se Duchamp trata, trabalha seus títulos como uma cor invisível, talvez seja porque<br />
ele lê, percebe nesses poetas, como num renvoi miroirique 56 (reemissão especular), o<br />
tratamento plástico que eles dão a seus textos. Essas reflexões nos conduziriam muito longe,<br />
se <strong>de</strong>vêssemos aprofundá-las. Contentemo-nos <strong>da</strong> leveza e do humor <strong>de</strong> um Alphonse Allais,<br />
o Fumista, Hidropata, Hirsuto e Incoerente, que abre sua coletânea <strong>de</strong> histórias<br />
“chatnoiresques” (do Cabaré “O Gato Preto”) intitula<strong>da</strong> Rose et Vert-Pomme (Rosa e Ver<strong>de</strong>-<br />
maçã), publica<strong>da</strong> em 1894, por “Un coin d’art mo<strong>de</strong>rne” (Um canto <strong>de</strong> arte mo<strong>de</strong>rna), em<br />
que o autor, convi<strong>da</strong>do ao vernissage dos Néo-Pantelants, surpreen<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> imediato com a<br />
visão <strong>de</strong> um quadro: “o mais curioso <strong>de</strong>ssa obra <strong>de</strong> arte é sua coloração: a mulher era laranja,<br />
o homen azul” e o jovem autor do quadro intitulado “Mes parents” (Meus pais) explica:<br />
“Minha intenção, ao atribuir a ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les uma cor complementar, foi contar a perfeita<br />
harmonia que nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> governar a existência <strong>de</strong>ssas pessoas honestas. Vocês não<br />
52<br />
DUCHAMP. Duchamp du signe, p. 170.<br />
53<br />
CABANNE. Marcel Duchamp: Engenheiro do tempo perdido, p. 47.<br />
54<br />
DUCHAMP. Duchamp du signe, p. 170 e CABANNE. Marcel Duchamp: Engenheiro do tempo perdido, p.<br />
77,78.<br />
55<br />
LE PENVEN. L’art d’écrire <strong>de</strong> Marcel Duchamp, p. 99.<br />
56<br />
DUCHAMP. Duchamp du signe, p. 93.<br />
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