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Untitled - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFMG

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E se Duchamp quisesse nos dizer que, mesmo olhando bem, <strong>de</strong>ssa vez não com<br />

apenas um olho, mas com os dois, os dois olhos bem en face <strong>de</strong>s trous não passa <strong>de</strong> uma<br />

simples profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> estereoscópica, a <strong>de</strong> nossa visão binocular <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> instante? Dizer que,<br />

por mais que queremos olhar “escopicamente” o reverso <strong>da</strong>s coisas, tendo no centro aquilo<br />

que todo voyeur, todo espectador mais po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sejar escrutar, o sexo feminino, por sua<br />

relativa visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> objet escondido por natureza, ain<strong>da</strong> assim não veríamos na<strong>da</strong> mais,<br />

ain<strong>da</strong> assim não <strong>de</strong>scobriríamos na<strong>da</strong> além. Talvez Duchamp quisesse dizer que, no fundo,<br />

há apenas uma superfície, e enfim que, por “nominalismo pictural”, não teríamos a menor<br />

condição <strong>de</strong> captar alguma essência. Seria o mesmo que fracassar ao querer ver a face<br />

interna do anel <strong>de</strong> Möbius ou <strong>da</strong> garrafa <strong>de</strong> Klein: por querer <strong>da</strong>r a volta por completo,<br />

estaríamos con<strong>de</strong>nados a errar sobre a superfície. 357<br />

1864):<br />

Pensemos nos versos <strong>de</strong> Mallarmé em Le Phénomème futur (O Fenômeno futuro,<br />

Nenhum índice vos conce<strong>de</strong> o espetáculo interior, pois não existe hoje um pintor<br />

capaz <strong>de</strong> representar <strong>de</strong>le uma sombra triste. Trago, viva (e preserva<strong>da</strong> através dos<br />

anos pela ciência soberana) uma Mulher <strong>de</strong> outrora. Que loucura, original e<br />

ingênua, um êxtase <strong>de</strong> ouro, não sei o quê! […] 358<br />

Seguidos dos primeiros versos <strong>de</strong> Plainte d’automne: “Des<strong>de</strong> que Maria me <strong>de</strong>ixou<br />

[…]”. Provavelmente um “acaso em conserva”. 359<br />

357<br />

DELEUZE. Logique du sens, p. 89 (“11e série [<strong>de</strong> paradoxes] du non sens”). Sobre a relação <strong>da</strong> superfície<br />

com o sentido, Gilles Deleuze escreve, com um toque <strong>de</strong> humor: “Il est donc agréable que résonne aujourd’hui<br />

la bonne nouvelle : le sens n’est jamais principe ou origine, il est produit. Il n’est pas à découvrir, à restaurer ni<br />

à re-employer, il est à produire par <strong>de</strong> nouvelles machineries. Il n’appartient à aucune hauteur, il n’est <strong>da</strong>ns<br />

aucune profon<strong>de</strong>ur, mais effet <strong>de</strong> surface, inséparable <strong>de</strong> la surface comme <strong>de</strong> sa dimension propre.”<br />

358<br />

MALLARMÉ. Poèmes en prose, p. 413. “Nulle enseigne ne vous régale du spectacle intérieur, car il n’est<br />

pas maintenant un peintre capable d’en donner une ombre triste. J’apporte, vivante (et préservée à travers les<br />

ans par la science souveraine) une Femme d’autrefois. Quelle folie, originelle et naïve, une extase d’or, je ne<br />

sais quoi ! […]”<br />

359<br />

MALLARMÉ. Poèmes en prose, p. 414. “Depuis que Maria m’a quitté […]. DUCHAMP. Duchamp du<br />

signe, p. 50. “du hasard en conserve”.<br />

190

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