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Untitled - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFMG

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ao mesmo tempo, volume <strong>de</strong>lgado, tipo disco, sobretudo, ou plano espesso, como ro<strong>da</strong>. Ela<br />

nem é tanto volumosa, tridimensional (como um porta-garrafas) e seus raios diametralmente<br />

opostos giram em torno <strong>de</strong> um eixo, digamos moyeu (cubo <strong>de</strong> ro<strong>da</strong> — aliás, o essencial <strong>de</strong><br />

uma ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> bicicleta é <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> por termos geométricos), a ponto <strong>de</strong> <strong>da</strong>r, talvez, para<br />

aqueles que imaginam a ro<strong>da</strong> em movimento num certo percurso no espaço, uma imagem<br />

quadridimensional. 138<br />

Quanto à palavra même <strong>de</strong> Mariée, Duchamp fala <strong>de</strong> anti-sentido, <strong>de</strong> não sentido.<br />

Não teria ele escolhido esse advérbio como ele escolhe seus readyma<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira menos<br />

distraí<strong>da</strong> do que afirma, como essa famosa ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> bicicleta? Mais uma duplicação: même,<br />

como “ain<strong>da</strong>” (encore), “mesmo” (pareil), etc. Essa palavra pronuncia<strong>da</strong> é o mesmo fonema<br />

que parece se duplicar. Separando as sílabas — “mê”-“me” — obtemos uma pequena<br />

estereofonia. Distinguimos o objeto tout fait, en série (todo pronto, em série) do tout trouvé<br />

(achado), sem esquecer, como diz Duchamp, que distanciar é uma operação. 139 Distanciar<br />

uma palavra do seu contexto <strong>de</strong> uso, é possibilitar outros sentidos questionando <strong>de</strong>ssa<br />

maneira a sua primeira acepção.<br />

Talvez seja ver estereoscopia on<strong>de</strong> não há. A respeito <strong>de</strong> Pharmacie, Duchamp diz a<br />

Cabanne que é muito simples:<br />

[…] Veja a Farmácia. Eu fiz num trem, na semi-escuridão, no crepúsculo, eu ia a<br />

Rouen em janeiro <strong>de</strong> 1914. Via-se duas pequenas luzes no fundo <strong>da</strong> paisagem.<br />

Colocando-se a vermelha ao lado <strong>da</strong> ver<strong>de</strong>, aquilo parecia uma farmácia. Era uma<br />

espécie <strong>de</strong> distração que eu tinha em mente. 140<br />

Não enten<strong>de</strong>mos a palavra distração. Isso significaria que Pharmacie foi feita <strong>da</strong><br />

mesma maneira que se coloca um bigo<strong>de</strong> numa reprodução <strong>da</strong> Mona Lisa? Ou seria a<br />

distração dos anáglifos?<br />

Vale notar que Pharmacie (1914) é um readyma<strong>de</strong> dito por Duchamp aidé (aju<strong>da</strong>do).<br />

Em francês, “a<strong>de</strong>” <strong>de</strong> “ma<strong>de</strong>” se dit “ai<strong>de</strong>”. Com a diferença <strong>de</strong> um acento obtém-se<br />

ai<strong>de</strong>/aidé, como em “mê/me”; uma pequena homofonia rousseliana, <strong>da</strong> qual o próprio<br />

138 Ver: LINDE. C. Cycle. La roue <strong>de</strong> bicylette, p. 35-41. Duchamp certamente conhecia a tela <strong>de</strong> Velasquez,<br />

Les fileuses (1644), na qual estão presentes ambivalências <strong>de</strong> profundi<strong>da</strong><strong>de</strong>, e em cujo primeiro plano gira ain<strong>da</strong><br />

a ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma fian<strong>de</strong>ira. Para nós, trata-se <strong>de</strong> uma tela tão emblemática <strong>da</strong> pintura <strong>de</strong> sua época quanto as<br />

Meninas (1656).<br />

139 DUCHAMP. Duchamp du signe, p. 41.<br />

140 CABANNE. Marcel Duchamp: Engenheiro do tempo perdido, p. 79-80.<br />

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