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Untitled - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFMG

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3.2.3 “<strong>de</strong>sabrochamento por Conciliação”<br />

Talvez fosse necessário consi<strong>de</strong>rar que essa copresença <strong>de</strong> opostos — Duchamp<br />

prefere a expressão “cointelligence <strong>de</strong>s contraires” (cointeligência dos contrários)” 310 —<br />

precisa <strong>de</strong> um certo movimento, o tempo <strong>de</strong> uma alternância, <strong>de</strong> uma permutação para<br />

“casar” os contrários. A introdução <strong>de</strong> uma dimensão temporal, embora inframince<br />

(infra<strong>de</strong>lga<strong>da</strong>), por exemplo numa corrente alterna<strong>da</strong> periódica <strong>de</strong> 50 Hz que mu<strong>da</strong>ria <strong>de</strong><br />

sentido 100 vezes em um segundo, 311 po<strong>de</strong>ria colocar em questão essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong> subentendi<strong>da</strong> numa <strong>de</strong>finição <strong>da</strong> ambivalência. Em outros termos, po<strong>de</strong>-se<br />

falar <strong>de</strong> ambivalência num claro-escuro, mas nosso olho e nosso raciocínio ten<strong>de</strong>rão a oscilar<br />

<strong>de</strong> um para outro, a ver nesse claro-escuro alternativamente o claro e o escuro. E é talvez<br />

nesse ponto que a ambivalência é confundi<strong>da</strong> com a ambigui<strong>da</strong><strong>de</strong> que, por sua vez, nos<br />

coloca diante <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> discernir o que parece in<strong>de</strong>terminado, enquanto po<strong>de</strong>ríamos<br />

simplesmente aceitar a copresença, a bipolari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contrários perfeitamente <strong>de</strong>terminados,<br />

um vermelho e um ver<strong>de</strong> em um anáglifo, por exemplo. Pierre Matisse relata que, ao final <strong>de</strong><br />

uma conferência <strong>de</strong> Duchamp sobre seu próprio trabalho, um ouvinte lhe pergunta “se o nonsens<br />

(não-senso) que ele havia utilizado em suas obras eram um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro non-sens. Após<br />

um moment <strong>de</strong> confusão, ele disse enfim: ‘Senso e non-sens são dois aspectos <strong>da</strong> mesma<br />

coisa e o non-sens tem o direito <strong>de</strong> viver.” 312<br />

Na or<strong>de</strong>m <strong>da</strong> linguagem, e mais ain<strong>da</strong> no universo poético em que se busca as<br />

palavras por sua polissemia, a figura do oxímoro (contendo nela mesma a figura que ela<br />

<strong>de</strong>signa, uma vez que é composta <strong>de</strong> dois antônimos, oxus significando “pontudo” e moros<br />

“sem fio”) traduz a ambivalência, sem <strong>de</strong>svio: a “luz negra”, até mesmo o “fogo-semfumaça”<br />

do qual fala Duchamp em uma <strong>de</strong> suas primeiras notas relativas à sombra. Ou ain<strong>da</strong><br />

“essa maravilhosa proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem <strong>de</strong> ser rica <strong>de</strong> sua miséria”, a “rica pobreza” <strong>da</strong>s<br />

palavras (“o simples fato, fun<strong>da</strong>mental para a linguagem, que há menos vocábulos que<br />

310 DUCHAMP. Notes, p. 112. Nota <strong>de</strong> 1914 sobre o Príncipio <strong>de</strong> Contradição.<br />

311 Ver DUCHAMP. Duchamp du signe, p. 59. Nas primeiras notas <strong>da</strong> Mariée, po<strong>de</strong>mos ler: “Mas os vínculos<br />

serão elétricos e expressarão <strong>de</strong>ssa maneira o <strong>de</strong>spimento: operação alternativa. Disjunção se precisar.“<br />

Ver também DUCHAMP. Notes, p. 46 e 49. Como “fundo” à Mariée, Marcel Duchamp imaginava “uma festa<br />

elétrica lembrando o cenário luminoso <strong>de</strong> Luna Park / Magic City / Enfeites <strong>de</strong> luzes sobre fundo preto […].”<br />

A presença invisível <strong>da</strong> eletrici<strong>da</strong><strong>de</strong> acompanha to<strong>da</strong> a obra <strong>de</strong> Duchamp. A historia <strong>da</strong> eletrici<strong>da</strong><strong>de</strong> revelaria<br />

muitas duplas <strong>de</strong> oposições. Aliás, Henri Poincaré publicou em 1901 Électricité et optique que comentará no<br />

capítulo XII <strong>de</strong> La science et l’hypothèse (1902).<br />

312 DUCHAMP. Notes, p. 11. “si le ‘non-sens’ qu’il avait utilisé <strong>da</strong>ns ses œuvres étaient un véritable non-sens.<br />

Après un moment <strong>de</strong> désarroi, il dit finalement ‘Sens et non-sens sont <strong>de</strong>ux aspects <strong>de</strong> la même chose et le nonsens<br />

a le droit <strong>de</strong> vivre’”.<br />

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