Untitled - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFMG
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Foucault observa que o giro e o <strong>de</strong>svio <strong>da</strong>s palavras no espaço tropológico tornam-se,<br />
em Roussel, “um círculo impiedoso que reconduz as palavras a seu ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> pela<br />
força <strong>de</strong> uma lei restritiva.” 297 A narrativa rousseliana parece, com efeito, assombra<strong>da</strong> pelo<br />
fato <strong>de</strong> fazer coïncidir, até mesmo <strong>de</strong> superpor, origem e fim, como a serpente que mor<strong>de</strong> a<br />
própria cau<strong>da</strong>. Mas trata-se, sem dúvi<strong>da</strong>, <strong>de</strong> uma reversão, e não <strong>de</strong> um retorno ao mesmo,<br />
uma vez que o curso <strong>da</strong> história alterou, inevitavelmente, as lettres em lettres (letras em<br />
cartas), o branco em Branco ou o negro em Negro. Seria sem dúvi<strong>da</strong> interessante<br />
<strong>de</strong>senvolver essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Foucault <strong>da</strong> reversão opera<strong>da</strong> por Roussel quanto ao estilo,<br />
aplicando-o ao readyma<strong>de</strong>: não mostrar a mesma coisa com um estilo diferente — um<br />
retrato ou um nu por exemplo —, mas mostrar que a mesma coisa, com um simples jogo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>slocamento, um porta-garrafas ou uma capa <strong>de</strong> máquina <strong>de</strong> escrever por exemplo, po<strong>de</strong> ser<br />
compreendi<strong>da</strong> <strong>de</strong> maneiras diferentes. Embora seja talvez mais fácil com as palavras do que<br />
com os objetos, menos polissêmicos; o exemplo <strong>da</strong> capa <strong>de</strong> máquina <strong>de</strong> escrever po<strong>de</strong>ndo ser<br />
aplicado aos dois casos. Jean Clair retomará essa i<strong>de</strong>ia <strong>da</strong> reversão rousseliana e tenterá<br />
aplicá-la à máquina escópica duchampiana, mas tomando a anamorfose como exemplo <strong>da</strong><br />
inversão do dispositivo perspectivo clássico: “[…] Duchamp fazendo funcionar o<br />
maquinário <strong>da</strong> perspectiva clássica em sentido inverso (a anamorfose) […]”. 298 Po<strong>de</strong>ríamos<br />
falar <strong>de</strong> rabattement (rebatimento) no que se refere à anamorfose, rabattement do ponto <strong>de</strong><br />
vista frontal do observador direção a um ponto <strong>de</strong> vista lateral, ou ain<strong>da</strong>, se o ponto <strong>de</strong> vista<br />
do mesmo observador <strong>de</strong>vesse permanecer fixo, <strong>de</strong> “rotação” do plano do quadro. Parecenos,<br />
portanto, um tanto forçado falar <strong>de</strong> “reversão”, <strong>de</strong> “inversão”, no caso <strong>da</strong> anamorfose.<br />
Jean Clair concluirá <strong>de</strong> maneira mais convincente expondo a tradição dos perspectivistas<br />
sobre uma última reversão, a <strong>de</strong> Étant donnés como dispositivo revertido <strong>da</strong> gran<strong>de</strong> Camera<br />
oscura construí<strong>da</strong> em Amster<strong>da</strong>m por Kircher em 1671. Voltaremos a esse tema.<br />
297<br />
FOUCAULT. Raymond Roussel, p. 25. “un cercle impitoyable qui reconduit les mots à leur point <strong>de</strong> départ<br />
par la force d’une loi contraigante”<br />
298<br />
CLAIR. Marcel Duchamp et la tradition <strong>de</strong>s perspecteurs, p. 156. “[…] Duchamp, faisant fonctionner la<br />
machinerie <strong>de</strong> la perspective classique à l’envers (l’anamorphose) […]”.<br />
164