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Revista de Letras - Utad

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Teatro Popular Mirandês… 261<br />

classificação dos géneros: a via temática; a via estrutural; a via dos arquétipos e<br />

a via funcional (Ben-Amos 1974). No caso do TPM tem-se seguido uma tradição<br />

temática, dividindo os textos em “profanos” e “religiosos”, ou <strong>de</strong> “cariz profano”<br />

e “religioso”.<br />

José Borges Pinto, no seu ensaio sobre o TPM, procura encontrar nas<br />

origens <strong>de</strong>stas manifestações a forma <strong>de</strong> as enquadrar e <strong>de</strong> as classificar. Mas a<br />

primeira constatação é que elas fogem a alguns dos parâmetros normalmente<br />

associados à chamada cultura popular: o anonimato, a ausência <strong>de</strong> autor ou a<br />

impressão <strong>de</strong> que po<strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> obras colectivas. Assim não ocorre, <strong>de</strong> facto,<br />

com o TPM. Para além dos autores locais, aqui encontramos também muitos<br />

nomes da chamada “escola <strong>de</strong> Gil Vicente” 1 . Mas o arreigado hábito do teatro<br />

popular na Terra <strong>de</strong> Miranda não se exime a uma longa tradição históricocultural,<br />

parecendo reforçar a tese <strong>de</strong> um teatro anterior a Gil Vicente cujos<br />

textos, em formato escrito, não chegaram até nós. Sem chegar verda<strong>de</strong>iramente a<br />

uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conceitos, Borges Pinto conclui que o Teatro Popular<br />

Mirandês “é, indiscutivelmente, o filão mais po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong> todo o teatro popular<br />

português e o único que subsistiu como corpus, coeso, autónomo e com<br />

especificida<strong>de</strong>s próprias” (Pinto 2002).<br />

E, na verda<strong>de</strong>, estas tradições parecem ter raízes bem profundas nas gentes<br />

miran<strong>de</strong>sas. Reportando-nos exclusivamente a alguns registos escritos (embora,<br />

em meu enten<strong>de</strong>r, a história da Terra <strong>de</strong> Miranda seja sobretudo oral,<br />

necessitando para a sua (re)construção, <strong>de</strong> uma epistemologia da oralida<strong>de</strong>),<br />

vamos encontrar nas Pastorais diocesanas <strong>de</strong> Miranda, nos séculos XVII e<br />

XVIII, e <strong>de</strong> Miranda-Bragança, nos séculos XVIII e XIX, inúmeras referências,<br />

sobretudo proibições, sobre a arreigada habitualida<strong>de</strong> do povo transmontano e<br />

mirandês a estas manifestações às quais que se procurava pôr cobro 2 .<br />

1 Segundo creio foi Teófilo Braga o criador <strong>de</strong>sta expressão, atribuindo aos seguidores<br />

<strong>de</strong> Gil Vicente o papel <strong>de</strong> terem continuado a obra do mestre que, <strong>de</strong> outra forma, ficaria<br />

incompleta: “A sua obra apesar <strong>de</strong> brilhante estava <strong>de</strong>stinada a morrer com ele. Assim<br />

aconteceria se a impressão que <strong>de</strong>ixou não fosse profunda. Nas terras aon<strong>de</strong> ia <strong>de</strong>ixava o<br />

rasto da sua luz; ficava o gérmen para florir <strong>de</strong> futuro. (…) O teatro português começava<br />

a ter uma tradição, estava fundada uma escola” (Braga 1870: 199-200).<br />

2 Outro tipo <strong>de</strong> proibições que também afectava o teatro era o das representações<br />

femininas. Durante séculos as mulheres foram proibidas <strong>de</strong> aparecer em palcos; <strong>de</strong>pois,<br />

ora proibidas ora consentidas. Por entre informações contraditórias temos notícia <strong>de</strong> que<br />

Lope <strong>de</strong> Veja, por exemplo, fazia os papéis femininos das suas peças, já passado o ano<br />

<strong>de</strong> 1600. Em Portugal, D. Maria I proibiu a participação das mulheres em representações<br />

públicas – o que <strong>de</strong>monstra que ela era permitida – mas poucos anos <strong>de</strong>pois, em 1800,<br />

revoga essa <strong>de</strong>terminação (ver Guerreiro [1976: xxxiv], em Teatro popular português,<br />

coligido por J. Leite <strong>de</strong> Vasconcelos. Segundo informa António Maria Mourinho, no<br />

Auto da Paixão, representando em Duas Igrejas em 1948, os papéis <strong>de</strong> Nossa Senhora,<br />

<strong>de</strong> mulher <strong>de</strong> Pilatos, <strong>de</strong> criada <strong>de</strong> Caifás e <strong>de</strong> Verónica foram representados por homens.<br />

Contudo, este <strong>de</strong>ve ter sido dos últimos autos em que tal aconteceu. Por outro lado,

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