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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />
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história possam ser semelhantes... E seguimos na esteira do conceito de Bachelard<br />
acerca da relação íntima da imagem poética com o devaneio, pois o ouvinte de uma<br />
história entra no estado de devaneio ao escutá-la e engendra em sua imaginação criadora<br />
um mundo sonhado, que dialoga com a função do real, ao mesmo tempo que o<br />
liberta dela. A imaginação modifica certos aspectos da narrativa e é capaz de ampliá-los<br />
enquanto os assimila, portanto talvez possamos alçar que o conto ajuda a memória a<br />
lembrar e a imaginação a imaginar...<br />
Quando uma vez me perguntaram numa entrevista porque seria importante para<br />
as crianças entrarem em contato com qualquer forma de expressão da arte, respondi<br />
que preferia inverter a questão e dizer que é a arte que nos proporciona entradas no<br />
mundo. A arte nos dá um olhar diferenciado ao que se nos apresenta em bombardeio<br />
diário pelos meios de comunicação. Ela nos propicia um olhar crítico para esse mundo<br />
moderno impregnado das necessidades fabricadas pela sociedade de consumo e<br />
distantes das necessidades essenciais do indivíduo.<br />
Eu diria que a arte de contar histórias se faz hoje mais do que nunca necessária<br />
exatamente porque quando ela se dá, seja num contexto pedagógico, numa roda<br />
informal de contos ou mesmo no contexto do que chamamos de indústria do espetáculo,<br />
o maravilhoso se instala. O maravilhoso contém elementos e valores ancestrais<br />
que vêm caminhando ao lado da existência humana em suas mais diversas culturas e<br />
quando um conto é narrado, as imagens saltam diretamente para a imaginação criadora<br />
do ouvinte, seja ele criança ou adulto. É nesse momento que o indivíduo realiza<br />
sua mais importante operação: a de significar sua relação com o mundo.<br />
Diz Herbert Read que a arte é um contágio, e se transmite como fogo, de espírito<br />
para espírito. Permito-me apropriar de sua colocação e dizer que a arte de contar<br />
histórias é uma transmissão que contagia por ser imanente à capacidade do homem<br />
de intercambiar experiências e produzir sentido para a vida. Quando a criança percebe<br />
que a história contada pelo professor pode continuar nela habitando, repercutindo,<br />
produzindo sentidos, cores, formas, texturas, e até “recriando memória”,<br />
expressão cunhada por Clarissa Pinkola Esthés, ela adquire poder para enfrentar a