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Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Édipo é a verda<strong>de</strong>ira Felícia Cabrita<strong>de</strong> si próprio. Toda a gente lhe diz que nãoinvestigue, e ele continua a investigarbém sou assim. Sou capaz <strong>de</strong> puxarcarroças e <strong>de</strong>pois há coisas que meescapam, porque sou rápido, acelerado.”As circunstâncias biográficas são,aqui, <strong>de</strong>cisivas. “Comove-me que estehomem queira saber quem é. Durante34 anos, eu <strong>de</strong>sconheci quemera o meu pai, e isso foi muito <strong>de</strong>terminanteno meu crescimento, enquantohomem e actor. Estou muitofeliz porque o meu pai vem assistir àestreia, e é <strong>um</strong> espectáculo que lhequero <strong>de</strong>dicar.”Ainda que o pai, sendo inglês, possanão perceber todas as palavras. “Esperonão o matar, e não pequei comoÉdipo, mas também tenho <strong>um</strong>a relaçãocom o po<strong>de</strong>r que me assusta, porqueter o po<strong>de</strong>r na mão e gerir pessoas exige<strong>um</strong>a enorme responsabilida<strong>de</strong>. Estamostão embrenhados que corremoso risco <strong>de</strong> não ver. Quero que as pessoasem quem realmente confio mealertem, se for injusto. Algures, nesteuniverso, encontro pontos <strong>de</strong> contactocom Édipo.”Este Édipo lisboeta é, assim, cere-bralmente, <strong>um</strong> <strong>rapaz</strong> <strong>de</strong> Jorge SilvaMelo, e, emocionalmente, <strong>um</strong> <strong>rapaz</strong><strong>de</strong> Diogo Infante.“Representa <strong>um</strong> esforço físico muitogran<strong>de</strong> por ser <strong>um</strong>a personagem tãoexigente, com <strong>um</strong>a componente emocionale vocal muito vasta”, diz Diogo.“Tive <strong>de</strong> me preparar fisicamente, per<strong>de</strong>rpeso para estar mais ágil, aquecermuito bem a voz porque a posso per<strong>de</strong>r.Tudo isso me obriga a questionarme.E eu precisava da ajuda <strong>de</strong> alguéma quem me pu<strong>de</strong>sse entregar cegamente.”Que essa pessoa era o Jorge foi “muitointuitivo”.Primeiro encontro, há quase 20anos, na versão <strong>de</strong> Diogo: “Um dia estavano Teatro Aberto e recebo <strong>um</strong>postal a convidar-me para almoçar.Lembro-me <strong>de</strong> os meus colegas dizerem:‘O Jorge Silva Melo! Que honra!’Foi <strong>um</strong>a conversa muitíssimo agradável.E <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então ficou expressa aÉdipo é mais a ru<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Salgueiro Maia do que a cabeça <strong>de</strong> Melo Antunes;Creonte é <strong>um</strong> Salgado Zenha: a segunda figura que resolve os assuntosvonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalharmos juntos. Eledisse: ‘Um dia, vou escrever <strong>um</strong>a peçapara ti’.”Mas antes estava escrito que Diogoprogramaria <strong>um</strong>a peça <strong>de</strong>le. Foi o queaconteceu quando se tornou directordo Teatro Nacional e programou “SeisPersonagens em Busca <strong>de</strong> Um Autor”,<strong>de</strong> Piran<strong>de</strong>llo. “Foi tão avassaladorque veio <strong>de</strong>spertar em mim a vonta<strong>de</strong><strong>de</strong> partilhar esta linguagem do Jorge.Há <strong>um</strong>a organicida<strong>de</strong>, os espectáculosvivem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a generosida<strong>de</strong> que osactores têm para se colocar à disposição<strong>de</strong>le. Então, quando pensei noÉdipo, em alguém com <strong>um</strong> olhar contemporâneo,que não se <strong>de</strong>ixasse intimidarpelo classicismo do texto, erao Jorge.”E não se conhecerem bem era bom.“Interessava-me trabalhar com quemme criasse <strong>um</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio, me tirassedo conforto. Como actor, isso é <strong>um</strong>adádiva absoluta. Então quando ele medisse que queria escrever, achei queera <strong>um</strong>a mais-valia.”Que relação criou com esse texto?“É <strong>um</strong>a linguagem mais recortada,Édipo teve <strong>um</strong>a filha, e vive no PortoAntígona, a filha <strong>de</strong> Édipo, é a gran<strong>de</strong> figura da temporada do Teatro Nacional São João. Uma geração e 300 quilómetros <strong>de</strong>pois, a históriacontinua, mas por outros meios, a partir <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Março. Inês NadaisQuando Nuno Carinhas começoua juntar à mesa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sala doTeatro Dona Maria II, em <strong>Lisboa</strong>,os actores com quem vai à GréciaAntiga fazer sangue na primeira“Antígona” da vida do TeatroNacional São João (TNSJ), o “ReiÉdipo” <strong>de</strong> Jorge Silva Melo já tinhapernas para andar, e andava, cincoandares abaixo, mais perto dopalco on<strong>de</strong> tem vida própria <strong>de</strong>s<strong>de</strong>ontem. Durante semanas, o Édipo<strong>de</strong> Jorge Silva Melo e a Antígona<strong>de</strong> Nuno Carinhas moraram namesma casa, como pai e filha(que é o que são na realida<strong>de</strong>, sequisermos levar a ficção a sério).Depois, cada <strong>um</strong> foi à sua vida.O TNSJ estava em <strong>Lisboa</strong> por<strong>um</strong> mês, com o “Breve S<strong>um</strong>ário<strong>de</strong> História <strong>de</strong> Deus”, e comoCarinhas tinha por lá a maioria doelenco com que queria pegar na“Antígona” resolveu começar osensaios a 300 quilómetros <strong>de</strong> casa.“Nós estávamos em cima, elesestavam em baixo. Mas não nospermeámos muito – embora <strong>um</strong>dos actores que estava connoscono ‘Breve S<strong>um</strong>ário’, o Daniel Pinto,já estivesse a trabalhar com oSilva Melo no coro do ‘Rei Édipo’”,diz o encenador ao Ípsilon já noPorto, no final <strong>de</strong> mais <strong>um</strong> ensaio<strong>de</strong> mesa no Mosteiro <strong>de</strong> São Bentoda Vitória. É <strong>um</strong> mito urbanoessa coisa <strong>de</strong> que o texto lá <strong>de</strong>baixo lhes chegava aos ouvidosno quinto andar – mas alguns,“muitos”, actores <strong>de</strong>sceram asescadas e foram lá abaixo verMaria do Céu Ribeiro, a Antígona “evi<strong>de</strong>nte” <strong>de</strong> Nuno CarinhasSilva Melo a matar o pai, antes<strong>de</strong> matarem a filha com NunoCarinhas. É tudo. Nuno Carinhasnão tem a “curiosida<strong>de</strong> mórbida”das árvores genealógicas e nãoencorajou relações <strong>de</strong> sangueentre as duas montagens. “Ir poraí parece-me perigoso. É evi<strong>de</strong>nteque a Antígona é her<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><strong>um</strong> sangue amaldiçoado, issopercebe-se, e percebe-se tambémque já passou pela provação <strong>de</strong>dar sepultura aos pais. Mas issopara mim chega, não preciso <strong>de</strong>figurar tudo o que está para trás”,explica. De resto, sublinha, cada<strong>um</strong>a das tragédias da trilogia <strong>de</strong>Tebas é “<strong>um</strong> capítulo fechado”.Montar a “Antígona”, portanto,não faz parte <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a políticaconcertada dos teatros nacionaispara fazer os clássicos. DiogoInfante lá terá as suas razões,no caso também pessoais, parase atirar ao “Rei Édipo”, NunoCarinhas tem as <strong>de</strong>le: “Foi <strong>um</strong>aquestão <strong>de</strong> elenco, mas também<strong>um</strong>a questão <strong>de</strong> programa. Nestemeu primeiro ano como directorartístico do São João queria ir àsorigens – fomos às origens doteatro português com o ‘BreveS<strong>um</strong>ário’ do Gil Vicente e agoravamos às origens do teatrogrego com a ‘Antígona’. A únicain<strong>de</strong>cisão que po<strong>de</strong>rei ter tido,já muito lá para trás, foi qualdas Antígonas fazer, porque foidas tragédias mais reescritas erevisitadas ao longo dos séculos:apeteceu a muitos autores, <strong>de</strong>Brecht a Anouilh. Mas o TNSJnunca tinha feito <strong>um</strong>a tragédiaclássica, e era a altura <strong>de</strong> irNFACTOS/FERNANDO VELUDO“A Antígonaé her<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> <strong>um</strong>sangue amaldiçoado.Isso para mim chega,não preciso <strong>de</strong> figurartudo o que estápara trás”Nuno Carinhasapren<strong>de</strong>r a fazer”. E <strong>de</strong>pois havia<strong>um</strong>a actriz, Maria do Céu Ribeiro,das Boas Raparigas, que “tinha <strong>de</strong>ser” a Antígona.Tensão à mesaA mais <strong>de</strong> <strong>um</strong> mês da estreia,e com toda a gente ainda presa àmesa, com o texto à frente, Mariado Céu Ribeiro já sabe tudo <strong>de</strong>cor, e parece incrível que nuncaninguém se tivesse lembrado <strong>de</strong>lapara isto: tem o olhar obstinado<strong>de</strong> quem vai até ao fim, e minutos<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entrar na personagemtorna-se evi<strong>de</strong>nte que aindaestá para nascer o super-homemcapaz <strong>de</strong> a parar. Nuno Carinhaspõe Isménia (Alexandra Gabriel)e Creonte (António Durães) abarrar-lhe o caminho – estamos aassistir ao primeiro ensaio em queo encenador marca posições, e osantagonistas estão frente-a-frente,porque é importante que comecea haver tensão à mesa – e elacontinua. Tem muito que andar atéà estreia, mas já está na direcçãocerta.Com o texto e parte da bandasonora já <strong>de</strong> pé – <strong>um</strong>a bandasonora da <strong>de</strong>struição, que começaem guerra e acaba com as seteportas <strong>de</strong> Tebas a fecharem comestrondo – e a cenografia todana cabeça <strong>de</strong> Nuno Carinhas(Tebas vai acabar em cima dacratera <strong>de</strong> <strong>um</strong> vulcão), a históriaestá prestes a continuar. É aquique Édipo acaba, com toda asua <strong>de</strong>scendência, mas não parasempre. Milhares <strong>de</strong> anos <strong>de</strong>poisainda somos todos filhos <strong>de</strong>le, dizNuno Carinhas: “O que se tira da‘Antígona’ é que com certeza aH<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> passou por gran<strong>de</strong>sburacos negros <strong>de</strong> conhecimentoe <strong>de</strong> civilização, porque já estátudo tão exposto aqui, e <strong>de</strong> formatão contemporânea, que não sepercebe o que andámos a fazerentretanto”.10 • Sexta-feira 19 Fevereiro 2010 • Ípsilon

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