Rick Baker, que caracterizou o actor (e também fez os monstros do “Thriller” <strong>de</strong> Michael Jackson): o lobisomem “é apenas Benicio <strong>de</strong>l Toro com mais cabelo e <strong>de</strong>ntes maiores”Benicio <strong>de</strong>l Toro,o monstro bomBenicio <strong>de</strong>l Toro gosta <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> terror e acordou o monstro: po<strong>de</strong>m vê-lo, <strong>um</strong> lobisomemamericano, no “remake” <strong>de</strong> <strong>um</strong> clássico <strong>de</strong> 1941, “O Lobisomem”. Encontrámos o actorem Londres: não é o lobo mau. Kathleen GomesCinema– O que estás a fazer em Londres?– Vim entrevistar o Benicio <strong>de</strong>l Toro.– Uaaaaaau.Mulheres <strong>de</strong> 30 anos reagem a Benicio<strong>de</strong>l Toro como se reagissem a JohnnyDepp. Ele é bonito, mas não éassim tão bonito. Foi bonito em tempos,o rosto talhado a preto e brancon<strong>um</strong> anúncio <strong>de</strong> <strong>um</strong> perf<strong>um</strong>e da CalvinKlein, o tipo <strong>de</strong> beleza viril que JeanCocteau teria filmado se os dois tivessemcoincidido no tempo. Mas diz-seo nome <strong>de</strong>le e mulheres adultas regri<strong>de</strong>mà adolescência. “A minha mulheracha-o sexy”, diz o correspon<strong>de</strong>nte dojornal brasileiro “O Globo” em Londres,minutos antes da entrevista colectivacom o actor no selecto HotelClaridge’s, na mesma rua on<strong>de</strong> JimiHendrix viveu meteoricamente no finaldos anos 60 (<strong>um</strong>a informação que Beniciotalvez gostasse <strong>de</strong> saber).Levam-se alg<strong>um</strong>as expectativas para<strong>um</strong>a entrevista com Benicio <strong>de</strong>l Toro.Durante anos a imprensa doc<strong>um</strong>entou<strong>um</strong> f<strong>um</strong>ador em ca<strong>de</strong>ia, <strong>um</strong>a figuraintimidatória com <strong>um</strong> discurso crípticofalando entre <strong>de</strong>ntes, <strong>um</strong> novo Brando.Um “press junket”, com <strong>um</strong> punhado<strong>de</strong> jornalistas curiosos acerca da vidaprivada das estrelas e perguntas <strong>de</strong>conversa <strong>de</strong> café, parece o ambientenatural para <strong>um</strong> actor como ele arreganharos <strong>de</strong>ntes. E, <strong>de</strong>pois, há a ameaçada actriz britânica Emily Blunt antes<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a sala do hotel para darlugar a Benicio: “Esperem até ver Benicio.Ele vai <strong>de</strong>ixar-vos os cabelos empé”.Foram precisos 68 anos para acordaro monstro: Benicio está em Londrespara falar <strong>de</strong> “O Lobisomem”, <strong>um</strong> “remake”<strong>de</strong> <strong>um</strong> clássico <strong>de</strong> terror da Universallançado em 1941. Até agora, “TheWolfman” pertencia à pequena história
SÃOLUIZMAR~1Osilva!<strong>de</strong>signersdos filmes B e podia ser visto em setepartes no YouTube. A pergunta queninguém faz, ou porque não se atreveou porque a resposta é óbvia, é porqueé que alguém achou que estava na altura<strong>de</strong> o cinema recuperar os lobisomens– por causa da sua semelhançacom as histórias <strong>de</strong> vampiros.Benicio interpreta o papel principal:<strong>um</strong> actor, Lawrence Talbot, que regressaa casa do pai (Anthony Hopkins)após a morte violenta e misteriosa doirmão. O tempo é o <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inglaterravitoriana: cenários dramáticos, luz glaciar,céu plúmbeo, toda a carga ameaçadora<strong>de</strong> <strong>um</strong>a floresta, <strong>um</strong>a mansão<strong>de</strong>crépita. Lawrence, que ainda ontempisava os palcos no papel <strong>de</strong> Hamlet,começa a investigar a morte do irmão.Até aqui, “O Lobisomem” segue maisou menos o guião do filme original,tirando o facto <strong>de</strong> Lawrence ser <strong>um</strong>actor e o seu interesse amoroso ser aex-noiva do irmão (Emily Blunt). Estasduas “inovações” contribuem para aretorcida história familiar que é “O Lobisomem”:no “The Wolfman” original,a maldição não podia acontecer a <strong>um</strong>afamília e a <strong>um</strong>a personagem mais inocentese simpáticas; em “O Lobisomem”,o mal está na família. Lawrenceé mordido e transforma-se n<strong>um</strong> lobisomem– a partir daqui, o “remake”ganha vida própria, toma todas as liberda<strong>de</strong>spara com a história, e converte-sen<strong>um</strong> filme <strong>de</strong> acção vitoriano(<strong>de</strong>pois do “Sherlock Holmes” <strong>de</strong> GuyRitchie, talvez estejamos a assistir aonascimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo subgénero),acelerado e alucinado. Sem se esquecer<strong>de</strong> revisitar o catálogo dos “creaturemovies” – há por aqui evocações <strong>de</strong> “ABela e o Monstro”, “O Corcunda <strong>de</strong>Notre Dame”, “King Kong” e até doGolem <strong>de</strong> “O Senhor dos Anéis”.Uma questão <strong>de</strong> entregaTalvez Benicio tenha <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> f<strong>um</strong>ar.Nada nele correspon<strong>de</strong> ao retrato-robôtirado pela imprensa, à excepção doanel <strong>de</strong> prata em forma <strong>de</strong> caveira queengole meta<strong>de</strong> do <strong>de</strong>do anelar direitoe <strong>de</strong> estar sempre vestido <strong>de</strong> preto. Éafável e olha <strong>de</strong> soslaio quando alguémlhe faz <strong>um</strong>a pergunta – o que, segundo<strong>um</strong> jornalista que <strong>de</strong>svendou o códigoDel Toro na revista “Esquire”, é bomsinal. Se Benicio é a ameaça que pintaram,dir-se-ia que saiu <strong>de</strong> <strong>um</strong>a clínica<strong>de</strong> reabilitação: “clean”, em forma,conversador. Uma pinta danada. Por<strong>um</strong> momento, o velho Benicio podiater aparecido. Quando <strong>um</strong> dos jornalistaspergunta:– Tomou substâncias recreativasdurante as filmagens? Isso ajudou <strong>de</strong>alg<strong>um</strong>a forma?O jornalista, inglês, tem <strong>um</strong> T-shirtdos Smiths. Benicio notou-o antes <strong>de</strong>nós.– Gosto da tua T-shirt, pá. Gosto doMorrissey. Gosto dos Smiths. Gostodo Johnny Marr. Que mais queres saber?Isto chega-te?“As minhas primeirasmemórias <strong>de</strong> cinemasão os filmes <strong>de</strong> terrorda Universal (...). Fuivê-los [outra vez] porcausa da entregado actor por trásda caracterização (...).É admirável (...).Eles mantinham-sefiéis à realida<strong>de</strong>da criatura”Às vezes, <strong>um</strong> “press junket” parece<strong>um</strong> reality-show tipo “Survivor”, emque os concorrentes são submetidosa provas extremas.“O Lobisomem” não é só <strong>um</strong> filmecom Benicio <strong>de</strong>l Toro. É <strong>um</strong> projectoque ele ajudou a instigar, e com <strong>um</strong>grau <strong>de</strong> envolvimento maior: o actoré também co-produtor, o que acontecepela segunda vez na sua carreira,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Che”, o anti-épico sobreErnesto Guevara realizado por StevenSo<strong>de</strong>rbergh. “O Lobisomem” aconteceuporque alegadamente o agente<strong>de</strong> Benicio viu <strong>um</strong> poster do “Wolfman”<strong>de</strong> 1941 em casa do actor e osdois falaram <strong>de</strong> <strong>um</strong> “remake”. O agentesugeriu que fossem à Universal coma proposta.“As minhas primeiras memórias <strong>de</strong>cinema são esses filmes <strong>de</strong> terror daUniversal”, explica o actor. “Quandoera pequeno, a única forma <strong>de</strong> os ver– isto foi antes do VHS e do DVD – eraem filmes <strong>de</strong> 8 mm, com excertos <strong>de</strong>três minutos que projectávamos napare<strong>de</strong> do quarto. As minhas primeirasmemórias são esses filmes com oBoris Karloff, o Lon Chaney Jr., oCharles Laughton no ‘Corcunda <strong>de</strong>Notre Dame’, o Fredric March no ‘Dr.Jekyll and Mr. Hy<strong>de</strong>’, o King Kong...”A equipa do filme tem dito que, pelassuas características físicas, Benicio<strong>de</strong>l Toro já estava a meio caminho dapersonagem. Rick Baker (caracterizadordo vi<strong>de</strong>oclip <strong>de</strong> “Thriller”, <strong>de</strong> MichaelJackson, “Um Lobisomem Americanoem Londres” e “O Planeta dosMacacos”, <strong>de</strong> Tim Burton) disse à “EntertainmentWeekly” que o lobisomemé apenas “Benicio Del Toro commais cabelo e <strong>de</strong>ntes maiores”.O actor reviu os velhos clássicos daUniversal quando se preparava parao papel. “Estava com medo: ‘Vou pôro fato <strong>de</strong> lobisomem e vai parecer queestou n<strong>um</strong>a festa <strong>de</strong> Halloween oucoisa que o valha’. Fui ver todos essesfilmes por causa da entrega do actorpor trás da caracterização. Como BorisKarloff em ‘Frankenstein’. Essaentrega é admirável. Não quero soarestúpido, mas <strong>de</strong> certa maneira elesforam os primeiros actores do Método.Havia <strong>um</strong>a entrega, e eles mantinham-sefiéis à realida<strong>de</strong> da criaturaque estavam a interpretar.”Não há o risco <strong>de</strong> a máscara ultrapassaro actor? “Sim. É preciso aceitarisso. A máscara é que manda, a máscaraultrapassa-nos. E só esperamosque exista alguém como Rick Baker,porque aí, pelo menos, ela será assustadorae ‘cool’. Ela tem <strong>de</strong> ser ‘cool’.O tipo que fez a caracterização para‘Frankenstein’, ‘A Múmia’ e o ‘Wolfman’original chamava-se Jack Pierce.Foi ele que criou essas imagens icónicasque ainda hoje po<strong>de</strong>mos mostrara <strong>um</strong> miúdo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos que nuncaviu nenh<strong>um</strong> dos filmes mas reconhece<strong>de</strong> imediato: ‘Este é o Frankenstein’.Isso é 50 por cento do trabalho.Portanto, estamos apenas a colaborarquando pomos o fato do monstro. Jánão sou 100 por cento eu.”Isto vem <strong>de</strong> <strong>um</strong> actor que é conhecidopor <strong>um</strong>a intrépida <strong>de</strong>dicação àsua arte – engordou quase 20 quilose apagava beatas no braço em “Delírioem Las Vegas” (estas cenas acabarampor não entrar no filme). Não <strong>de</strong>ixa<strong>de</strong> ser surpreen<strong>de</strong>nte que tenha escolhidointerpretar <strong>um</strong> lobisomem<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido Che; Benicio foi <strong>de</strong>tal forma Che que não sabíamos o queera <strong>de</strong> <strong>um</strong> e o que era <strong>de</strong> outro. Interpretaro herói revolucionário implicou<strong>um</strong> gran<strong>de</strong> investimento pessoal.Em 2007, comparou a experiência a“carregar <strong>um</strong> piano muito pesado peloEmpire State Building acima”.“Penso muito no dia em que o voupousar”, disse. “Che” <strong>de</strong>u-lhe o papelda sua carreira até agora, mas Benicioadmite que precisava <strong>de</strong> <strong>um</strong> “<strong>de</strong>scompressor”<strong>de</strong>pois do filme. Daí “O Lobisomem”:é como ir na direcçãooposta a “Che”. “Eu gosto <strong>de</strong> todo otipo <strong>de</strong> filmes, tenho feito filmes <strong>de</strong>que gosto <strong>de</strong>ntro do mesmo género,como ‘Sin City’. Portanto, ter feito <strong>um</strong>filme como ‘O Lobisomem’ não <strong>de</strong>veser assim tão absurdo.”Pouco antes, Emily Blunt (actriz <strong>de</strong>“O Diabo Veste Prada”) explicava porqueé que, apesar <strong>de</strong> não gostar <strong>de</strong>filmes <strong>de</strong> terror, aceitou trabalhar em“O Lobisomem”. “Acho que foi quandosoube quem entrava. Pensei: ‘Se oBenicio vai fazê-lo é porque <strong>de</strong>ve serqualquer coisa fora do com<strong>um</strong>, <strong>de</strong>veter <strong>um</strong> ângulo diferente. Acho que oouvi dizer <strong>um</strong>a vez: ‘As pessoas tambémgostam <strong>de</strong> doces. Não tenho <strong>de</strong>fazer só dramas h<strong>um</strong>anos’.”O Ípsilon viajou a convite da LusomundoCom oAltoPatrocínioBILHETEIRA DAS 13H ÀS 20HT: 213 257 650;BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTSÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640WWW.TEATROSAOLUIZ.PTÍpsilon • Sexta-feira 19 Fevereiro 2010 • 23