10.07.2015 Views

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

MúsicaOs Feelies em1976; a bandaprepara-separa iniciar<strong>um</strong>a “tournée”em Março,nos EUAThe FeeliesOs <strong>rapaz</strong>es da porta ao ladoTinham algo dos contemporâneos Television ou Talking Heads, mastanto a diferenciá-los. Gran<strong>de</strong>s óculos à Buddy Holly ou rituais comotocar apenas em feriados. Eram <strong>um</strong>a “new-wave” paralela à “new-wave”,inclassificáveis. Regressaram em 2008 e viram reeditados os dois primeirosálbuns. O Ípsilon falou com Glenn Mercer. Mário LopesEm 1992, o guitarrista Bill Million saiudos Feelies. Não saiu simplesmente.Desapareceu e a banda acabou pouco<strong>de</strong>pois. Hoje, já sabemos o que aconteceua Bill Million. Fartou-se. Dos problemascom as editoras, do pouco dinheiroque entrava e <strong>de</strong> todo o tempofora <strong>de</strong> casa em digressão. Million tinhadois filhos e <strong>um</strong>a oferta <strong>de</strong> emprego naFlorida. “Ter <strong>um</strong> seguro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> eraalgo que o preocupava”, explicou há<strong>um</strong> par <strong>de</strong> anos Glenn Mercer, guitarristae vocalista, parceiro <strong>de</strong> composição<strong>de</strong> Million. Abandonar a bandapara garantir <strong>um</strong> seguro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nãoé muito rock’n’roll. De qualquer modo,os Feelies nunca foram <strong>um</strong>a bandarock’n’roll normal. Ouvir os seus doisprimeiros álbuns, “Crazy Rhythms” e“The Good Earth”, reeditados pela Domino,prova-nos que não o foram. Leras respostas <strong>de</strong> Glenn Mercer à entrevistaque lhe enviámos, agora que osFeelies se preparam para iniciar <strong>um</strong>anova série <strong>de</strong> concertos em Março, nosEUA, fornecem-nos os dados para operceber.A “diferença”, para a banda quenasceu em 1976, na vila <strong>de</strong> Haledon,New Jersey, residia nisto: “Achávamosque muitas das bandas punk tinhamlimitado a sua abordagem musical ese tinham colocado n<strong>um</strong>a posição queas obrigava a ser unidimensionais. Nós“Queríamos evitaras luzes da ribaltae mudar a nossaimagem; nuncafizemos nadaenquanto ‘gestão<strong>de</strong> carreira’”,Glenn Mercernão queríamos estar nesse lugar”. Enisto: “A arte não é criada no vácuo.Reflecte o ambiente em que é criada.Os Velvets tinham a dureza das ruas<strong>de</strong> Nova Iorque, enquanto que os Feeliesreflectiam os subúrbios on<strong>de</strong>viviam”.Enquanto Lou Reed cantava sobresadomasoquismo, junkies e <strong>de</strong>alers,os Feelies abriam “Crazy Rhythms”,em 1980, com “The boy with the perpetualnervousness”: “There’s a kidI know but not too well / He doesn’thave a lot to say / Well this boy livesright next door and he / Never hasnothing to say” – chegados ao refrão,vinha a confissão “the boy next dooris me”.Os Feelies não nasceriam sem a explosãocriativa da Bowery nova-iorquinada segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1970: “Estávamosconscientes da toda a cena <strong>de</strong>Nova Iorque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que íamos ver osNew York Dolls e bandas semelhantes”.Mas os Feelies, que retiraram algo dosespiralados duelos <strong>de</strong> guitarra dos Televisionou da precisão rítmica dosTalking Heads, tinham muito a distingui-los<strong>de</strong> Nova Iorque. Tinham osgran<strong>de</strong>s óculos à Buddy Holly, as calçase camisas <strong>de</strong> beto pintas e rituais estranhos,como tocar apenas em dias<strong>de</strong> feriado nacional – assim foi nos seusprimeiros anos <strong>de</strong> vida. Eram <strong>um</strong>a“new-wave” paralela à “new-wave”,inclassificáveis.A next big thingEm 1979, o single “Fa cé-la”, criou burburinho.No seguinte, “CrazyRhythms”, o álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia, gravadopor Glenn Mercer, Bill Million, Keith<strong>de</strong>Nunzio no baixo e Andy Fier na bateria,surgiu como <strong>um</strong>a revelação. Alienação,tédio e escapismo. Uma i<strong>de</strong>ia<strong>de</strong> canção que vivia em sobressaltosaltitante, com secção rítmica minimale as guitarras em diálogo nervoso.“Gastámos muito tempo nos arranjos”,escreve-nos Mercer, ressalvando que“alg<strong>um</strong>as das canções solidificaram-semais em estúdio que no trabalho <strong>de</strong>pré-produção”. Por exemplo: “a maioriados ‘breaks’ <strong>de</strong> percussão [componenteimprescindível da personalida<strong>de</strong>do álb<strong>um</strong>] surgiram da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>preencher os espaços resultantes <strong>de</strong>falhas <strong>de</strong> ligação [nos takes]”.Com “Crazy Rhythms” foram cobertos<strong>de</strong> elogios. Eram a “next big thing”e a legitimação chegava dos locais maisinsuspeitos: a “Village Voice” votou odisco como o melhor do ano, JonathanDemme, que os vê no Whiskey A Go-Go, em Los Angeles, não tarda a contactá-los.Participam em “SomethingWild”, filme <strong>de</strong> 1986, mas muitos antesdisso Demme pretendia rodar com eles“The Night Of The Living Feelies”, <strong>de</strong>scritocomo <strong>um</strong>a mistura entre “A ÚltimaValsa”, <strong>de</strong> Scorsese, e o “A Noitedos Mortos Vivos”, <strong>de</strong> Romero – contaseque as dificulda<strong>de</strong>s em garantir financiamentoterão levado Demme areformular a i<strong>de</strong>ia: o resultado foi océlebre “Stop Making Sense”, com osTalking Heads.Depois <strong>de</strong> “Crazy Rhythms” porém,os Feelies <strong>de</strong>saparecem. Os representantesda sua editora, a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nteStiff, reclamavam da ausência<strong>de</strong> singles e mostravam-lhes NinaHagen para exemplificar o que pretendiam.Com Andy Fier e Keith <strong>de</strong>-Nunzio <strong>de</strong> saída e sem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>iniciar o processo <strong>de</strong> pasteurizaçãopop que a Stiff lhes propunha, <strong>de</strong>sapareceram.Durante seis anos, GlennMercer e Bill Million juntaram-se abandas como os Trypes e fundaramos Willies ou os Yung Wu– “queríamosevitar as luzes da ribalta e mudar anossa imagem; nunca fizemos nadaenquanto ‘gestão <strong>de</strong> carreira’”, asseguraMercer. O baterista Andy Fier,por sua vez, juntara-se aos LoungeLizards e, mais tar<strong>de</strong>, fundaria os Gol<strong>de</strong>nPalominos. Já não fazia parte dabanda quando, em 1985, os Feeliesressurgiram. Eram então <strong>um</strong> quinteto(a Mercer e Million juntaram-seDave Weckerman, Brenda Sauter eStanley Demeski) e tinham a seu ladono estúdio, enquanto produtor, PeterBuck, guitarrista dos R.E.M., a bandaque tinha manifestado mais sonoramentea influência dos Feelies.O fracassoEditado “The Good Earth” em 1986,confirmava-se o renascimento. Não eraapenas o regresso após meia década<strong>de</strong> ausência, era tudo aquilo que mudarana música da banda. “Os dois discos[‘Crazy Rhythms’ e “The GoodEarth’] soam muito diferentes e isso foiintencional, mas partilham <strong>um</strong> fio condutorcom<strong>um</strong>, que é o centro da canção– a faúlha que a põe em movimento.Todas as minhas canções começamda mesma maneira – com guitarra acústicae voz”.Depois <strong>de</strong> “The Good Earth”, os Feeliesmudaram-se para multinacionalA&M e aí editaram dois álbuns. O fracassocomercial, as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><strong>um</strong>a banda ferozmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nteem lidar com as exigências <strong>de</strong> <strong>um</strong>agran<strong>de</strong> editora, o <strong>de</strong>saparecimentosem lenço nem doc<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> BillMillion. Em 1992, acabaram.Duas décadas <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> regresso,encontramos Glenn Mercer no sítio <strong>de</strong>sempre. Nunca abandonou Haledon.“É <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> pequena, típica <strong>de</strong>staparte do globo. Gosto <strong>de</strong>la porque tem<strong>um</strong> bom equilíbrio entre civilização enatureza. Também não é nem <strong>de</strong>masiadoruidosa, nem <strong>de</strong>masiado calma”.Passados todos estes anos, GlennMercer continua a ser o <strong>rapaz</strong> da portaao lado.Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 44 e segs36 • Sexta-feira 19 Fevereiro 2010 • Ípsilon

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!