10.07.2015 Views

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ografia em <strong>de</strong>vaneioAnnemarie S., “São Tomé: lugar das lavagens on<strong>de</strong> todas as mulheres se reúnem”, 1941 Annemarie S., “Afeganistão, Shabash, Moinhos”, 1939livros inéditos. Nessa altura, <strong>um</strong> retratoseu <strong>de</strong> 1930, estampado na capa <strong>de</strong><strong>um</strong>a revista e em cartazes espalhadospor Zurique, bastou para aguçar acuriosida<strong>de</strong> sobre quem teria sido e oque teria produzido aquele ser, cujorosto se revelava tão <strong>de</strong>sconcertante,simples e belo, cujo olhar se mostravatão melancólico, profundo e sombrio.Schwarzenbach, habituada a convivercom máquinas fotográficas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedopor causa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mãe obsessiva como registo da sua figura, parece conscientedo frenesi encantatório da suaimagem. Sónia Serrano conta no catálogoda exposição que a escritora envioua Clau<strong>de</strong> Carrac (segundo secretárioda <strong>de</strong>legação francesa na Pérsia,com quem manteve <strong>um</strong> casamento àdistância) a fotografia que muitos anosmais tar<strong>de</strong> fez capa da “Der Alltag” coma <strong>de</strong>dicatória “Quelque ressemblance<strong>de</strong> Annemarie” (“Alg<strong>um</strong>a semelhançacom Annemarie”) juntamente com“<strong>um</strong> provocatório texto sobre si” noverso do papel fotográfico. Conscienteou não <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r, AnnemarieSchwarzenbach sabia estar diante <strong>de</strong><strong>um</strong>a objectiva, não a temia, <strong>de</strong>ambulavaà frente <strong>de</strong>la em poses sedutoras,que fazem lembrar sofisticadas produções<strong>de</strong> moda.Perto do precipícioPrimeiro, as passagens por <strong>Lisboa</strong> epelas ex-colónias portuguesas. Depoisas viagens por África, Médio Oriente eEUA. E <strong>de</strong>pois a vida na Europa central.À medida que se foram ac<strong>um</strong>ulandoos núcleos <strong>de</strong> fotografias captadas porAnnemarie Schwarzenbach durante assuas viagens e se foram organizandodoc<strong>um</strong>entos sobre a sua obra literária,cresceu a consciência <strong>de</strong> que faltava aimagem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a viagem não menosimportante, também fornecida pelosinúmeros retratos que fizeram <strong>de</strong> si – aviagem interior, <strong>um</strong> caminho queSchwarzenbach nunca parou <strong>de</strong> percorrer.Sónia Serrano em conversa como Ípsilon: “Tendo ela esta força imagéticaera impossível não incluir fotografiassuas enquanto tema da fotografia.Tem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser fotografada. Etem a percepção do seu po<strong>de</strong>r enquantoimagem fotográfica. Esta predisposiçãopara a imagem está <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>aforma relacionada com a obra literáriaque produz – quase tudo fala sobre si,quase tudo gira à sua volta.” Muito antesdo po<strong>de</strong>r da sua imagem, Annemariepasseou o seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sedução empessoa: para o Nobel da Literatura francêsRoger Martin du Gard tinha <strong>um</strong>“belo rosto <strong>de</strong> anjo inconsolável”; afotógrafa berlinense Marianne Breslauer,com quem trabalhou no iníciodos anos 30, disse que era semelhantea <strong>um</strong>a obra <strong>de</strong> arte, “estranha misturaentre homem e mulher”; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aconhecer, a escritora americana CarsonMcCullers admitiu que o seu rostoa perseguiria “para toda a vida”.Assim <strong>de</strong>scrita, espalhando <strong>de</strong>sl<strong>um</strong>bramentoe erotismo, AnnemarieSchwarzenbach – “<strong>um</strong> dos segredosmais bem guardados da literatura europeia”,sublinha Carlos Vaz Marquesno prefácio a “Morte na Pérsia” (ed.Tinta da China, 2008) – parece muitosegura <strong>de</strong> si. É certo, no entanto, quea sua curta existência carregou intensaslutas interiores (tentativas <strong>de</strong> suicídio,constantes reabilitações por causada <strong>de</strong>pendência da morfina, homossexualida<strong>de</strong>reprimida pela família). Asua postura perante a vida, em constantevaivém, sempre perto <strong>de</strong> <strong>um</strong>qualquer precipício, em convulsão,reflecte em certa medida <strong>um</strong>a Europamergulhada em “mal-estar”, <strong>um</strong> continenteque assistiu à ascensão do nazismoe logo a seguir à <strong>de</strong>mência exterminadorapor ele gerada. Annemarieé oriunda <strong>de</strong> <strong>um</strong>a famíliaaristocrática, her<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> <strong>um</strong> milioná-“Mais do queas imagens que tirou,o que marcaa passagem<strong>de</strong> AnnemarieSchwarzenbach porPortugal são asimagens que nãotirou”Emília TavaresPortugal, o fim da aventuraFoi <strong>um</strong>a viagem <strong>de</strong> trabalho ao Norte<strong>de</strong> Espanha, em 1933, com a fotógrafaberlinense Marianne Breslauer, quemarcou o início <strong>de</strong> <strong>um</strong>a apropriaçãomais consequente da fotografia. Além<strong>de</strong> dar relevo à inevitável faceta literária<strong>de</strong> Annemarie Schwarzenbach nasua mais complexa teia <strong>de</strong> estilos e géneros,a exposição do Museu Berardoprocura i<strong>de</strong>ntificar as particularida<strong>de</strong>se a relevância criativa da imagem fotográficano conjunto da obra da aurionegócio ligado aos têxteis. N<strong>um</strong>asocieda<strong>de</strong> conservadora, e perante<strong>um</strong>a mãe possessiva (os Schwarzenbacheram simpatizantes do regime nazi),manifestou a sua discordância com or<strong>um</strong>o dos acontecimentos políticosrevelando “i<strong>de</strong>ias mo<strong>de</strong>rnas e antimilitaristas”.No início dos anos 30, <strong>de</strong>uinício a <strong>um</strong> ciclo <strong>de</strong> idas e voltas que sóteve fim quando morreu, em 1942,após complicações originadas por <strong>um</strong>aqueda <strong>de</strong> bicicleta, em Sils, no sul daSuíça.Terminada a formação académicaem História, em 1931, AnnemarieSchwarzenbach passou a <strong>de</strong>dicar-secada vez mais à escrita. Apesar <strong>de</strong> <strong>um</strong>aprodução relativamente vasta – se consi<strong>de</strong>rarmoso curto período em que suaobra fotográfica ganha efectivamentealg<strong>um</strong> relevo –, a fotografia nunca foio seu suporte <strong>de</strong> eleição e terá começadoa interessar-se por ele por influênciada mãe, fotógrafa compulsiva. Apalavra (ou a simples sonorida<strong>de</strong> quepotencia, como chegou a confessar) éo seu campo criativo favorito, mas oconjunto da obra fotográfica que produziuestá longe <strong>de</strong> ser figura <strong>de</strong> corpopresente. “As imagens que Schwarzenbachfoi produzindo nas viagens aolongo da sua vida gizam trajectos marginais<strong>de</strong> entendimento da fotografiamuitas vezes <strong>de</strong> forma completamentesolitária”, escreve Emília Tavares,para quem a fotografia da autora “nãose enquadra em nenh<strong>um</strong> género, nãosegue nenh<strong>um</strong> movimento e é difícil<strong>de</strong> catalogar”. As motivações para terpegado na Rolleiflex são variadas e vãodo registo doc<strong>um</strong>ental, <strong>de</strong> testemunhoou <strong>de</strong>núncia, à contemplação prazenteirae à mais pura <strong>de</strong>ambulação semobjectivo concreto, <strong>um</strong>a errância visualque condiz mais com o espírito <strong>de</strong>viajante do que com o <strong>de</strong> turista (Annemariecriticou sempre o “sightseeing”).Ípsilon • Sexta-feira 19 Fevereiro 2010 • 39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!