“O outro lado <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>: características <strong>um</strong> tanto orientais, <strong>de</strong>ntro e forado Mercado”, Annemarie S., Portugal, 1941“E muito perto dali, o mo<strong>de</strong>rno ‘Informations bureaux’ que tanto apresenta propagandaalemã como expõe fotografias britânicas”, Annemarie S., <strong>Lisboa</strong>, Portugal, 1941tora suíça. No que respeita à fotografia,o percurso será orientado através<strong>de</strong> quatro gran<strong>de</strong>s núcleos – MédioOriente, Fascismos, EUA e África - quecorrespon<strong>de</strong>m a diferentes abordagensformais, muito condicionadas por diferentesestados <strong>de</strong> espírito da autora,influências criativas e tempos históricosem rápida mutação.Quando regressou da primeira viagemao Médio Oriente, para on<strong>de</strong> partiuem 1933 a fim <strong>de</strong> participar em escavaçõesarqueológicas na Turquia, naSíria, no Líbano, na Palestina, no Iraquee no Irão, todas as imagens quetrouxe na bagagem eram já da sua autoria.Nestas fotografias, tentou fugirao exótico e procurou apreen<strong>de</strong>r asculturas que a ro<strong>de</strong>aram. “É <strong>um</strong>a fotografiaque não mostra o habitual postalinho”,diz ao Ípsilon Emília Tavares.Por esta altura, concretizou alg<strong>um</strong>asreportagens (fotográficas e escritas) emque tentou <strong>de</strong>nunciar as alteraçõeseconómicas e sociais que as expediçõesoci<strong>de</strong>ntais estavam a provocar nas populaçõeslocais, n<strong>um</strong> difícil compromissoentre tradição e progresso. Naúltima viagem ao Médio Oriente (<strong>de</strong>carro, na companhia <strong>de</strong> Ella Maillart,outra viajante compulsiva) mantêm-seas imagens que remetem para a “ancestralida<strong>de</strong>dos lugares” mas <strong>de</strong>stavez n<strong>um</strong> estilo mais “acutilante e informativo”e, ao mesmo tempo, mais“errático”, fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a negação davelocida<strong>de</strong> a que já se produziam asimagens. São do Médio Oriente amaior parte das fotografias que hojedão corpo ao espólio <strong>de</strong>positado nosArquivos Literários Suíços. São tambémas mais conseguidas. “O simbolismoda paisagem, a constatação dasmudanças políticas e sociais, a importânciada religião e dos lugares sagrados,o fascínio pela liberda<strong>de</strong> e respeitopela dureza do nomadismo” constituem,grosso modo, os assuntos aque <strong>de</strong>u mais atenção.Em fuga <strong>de</strong> mais <strong>um</strong>a temporada <strong>de</strong>entradas e saídas em clínicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintoxicação,tentando ultrapassar equívocose dramas <strong>de</strong> amor, Schwarzenbachpartiu em Agosto <strong>de</strong> 1936 para osEUA a convite da fotógrafa BarbaraHamilton-Wright. A i<strong>de</strong>ia era fazer <strong>um</strong>40 • Sexta-feira 19 Fevereiro 2010 • ÍpsilonAnnemarie S., “Die ‘Schweizer Flotte’ im Hafen von Lissabon” [“A‘Frota Suíça’ no porto <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>”] Schweizer Illustrierte,26-03-1941A errância visual<strong>de</strong> AnnemarieSchwarzenbachcondiz mais como espírito <strong>de</strong> viajantedo que com o <strong>de</strong>turista: criticousempreo “sightseeing”conjunto <strong>de</strong> reportagens sobre as populaçõesmais carenciadas no Sul dopaís, a braços com <strong>um</strong>a crise social eeconómica sem prece<strong>de</strong>ntes, a Gran<strong>de</strong>Depressão. É o trabalho fotográficoon<strong>de</strong> revela mais objectivida<strong>de</strong> e realismoe no qual concentra quase todosos recursos criativos (tinha <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong>lado a literatura e investiu nas reportagens).Nos EUA, conhece Roy Striker,economista, fotógrafo e <strong>um</strong> dos i<strong>de</strong>ólogosda nova fotografia norte-ameri-cana <strong>de</strong> reportagem, materializada noprojecto da FarmSecurity Administration.Asabordagensmarcadaspor gran<strong>de</strong>splanos damiséria social,das condições<strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong>paisagensáridas, n<strong>um</strong>a fotografia “comprometida”,<strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, acabam por influenciara sua prática na época. É o seutrabalho fotográfico mais “classificável”,mais colado a <strong>um</strong> género e a <strong>um</strong>aestética realista, em que os rostos e aspessoas ass<strong>um</strong>em <strong>um</strong> protagonismoque acabará por influenciar futurosregistos.Quando, na Europa Central, o nazismocomeçou a exportar <strong>de</strong>finitivamenteos seus tentáculos para fora daAlemanha, Annemarie regressou acasa, na Suíça, e começou a aperceber-sedo clima <strong>de</strong> opressão e <strong>de</strong>svarioque se preparava. Na Primavera <strong>de</strong>1938, foi até Viena, n<strong>um</strong>a altura emque a cida<strong>de</strong> já estava transformadan<strong>um</strong> palco <strong>de</strong> propaganda nazi. Fotografou“a arrogância da pose dos oficiais,os recrutamentos, as paradasobrigatórias, a manipulação <strong>de</strong> todaa população pela fome e pelo <strong>de</strong>semprego”.Os comentários que escreveuno verso das fotografias (<strong>um</strong> exercício<strong>de</strong> micro-narrativa que cultivou noutrasocasiões) são claros na con<strong>de</strong>nação<strong>de</strong> <strong>um</strong>a espiral <strong>de</strong> <strong>de</strong>mência i<strong>de</strong>ológicae militar.As comissárias <strong>de</strong>cidiram juntar aeste núcleo as escassas fotografias queAnnemarie tirou em Portugal, em 1941e 1942. É <strong>um</strong>a provocação e <strong>um</strong> contrapontoà luci<strong>de</strong>z crítica que a autora<strong>de</strong>monstrou na Áustria: reportagensque mostram <strong>Lisboa</strong> ora carregada <strong>de</strong>estereótipos, ora trabalhando em proldos interesses suíços no único portolivre do Atlântico, em plena II GuerraMundial. “Mais do que as imagens quetirou, o que marca a passagem <strong>de</strong> AnnemarieSchwarzenbach por Portugalsão as imagens que não tirou”, sublinhaEmília Tavares. Os artigos feitos porencomenda da embaixada da Suíça em<strong>Lisboa</strong> são revistos por mais do que<strong>um</strong>a entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> censura e parte dasfotografias publicadas são fornecidaspelos serviços <strong>de</strong> propaganda <strong>de</strong> Salazar.“Razões pessoais e políticas terãoestado na origem <strong>de</strong>ste olhar tão diverso[para <strong>um</strong>a e outra ditadura], masnão <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser significativo que Portugaltenha conseguido, em plena IIGuerra Mundial, manter <strong>um</strong>a máquina<strong>de</strong> propaganda eficaz, e muito semelhanteàs <strong>de</strong> outros países. A imagem<strong>de</strong> país ‘paraíso’ e único estado europeuem progresso foi sendo instauradainterna e externamente”.Foi <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, a bordo do navio Colonial,que Annemarie partiu r<strong>um</strong>o aÁfrica para as suas <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras viagenspelo mundo na tentativa <strong>de</strong> <strong>um</strong> recomeço.Antes <strong>de</strong> chegar ao Congo Belga(actual República Democrática do Congo),fez escalas na Ma<strong>de</strong>ira e em S. Tomé.Em pleno coração <strong>de</strong> África, foi aoencontro <strong>de</strong> <strong>um</strong> casal <strong>de</strong> suíços queexplorava a maior plantação do país.Passou <strong>um</strong> mês a <strong>de</strong>ambular pela regiãocom a senhora Vivien, e essa novageografia <strong>de</strong>u-lhe alento para escrevere fotografar. Fez imagens n<strong>um</strong> registomuito próximo da linguagem visualantropológica do século XIX e não foicapaz <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r o “preconceito dasuperiorida<strong>de</strong> da civilização oci<strong>de</strong>ntal”.“Se no Médio Oriente as imagenssão o cerne <strong>de</strong> <strong>um</strong> questionamentocomplexo entre a representação oci<strong>de</strong>ntal<strong>de</strong>ssa cultura e <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><strong>de</strong>safiar essa constante secular, já nasviagens a África, tanto na escrita comonas imagens, encontramos enraizadae muito questionada <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ‘colonialismo’e da sua representação”,escreve Emília Tavares.Antes <strong>de</strong> regressar à Suíça, aindapassou por Marrocos on<strong>de</strong> se encontroupela última vez com o marido.Tencionava pedir-lhe o divórcio, masarrepen<strong>de</strong>u-se.Diz-se que <strong>de</strong>pois do fatídico Verão<strong>de</strong> 1942, Annemarie pretendia estabelecer-seem Portugal. Henri Martin,embaixador da Suíça em <strong>Lisboa</strong> e amigo<strong>de</strong> longa data, convidou-a a ficar nacapital portuguesa como correspon<strong>de</strong>ntedo jornal “Neue Zürcher Zeitung”.A própria admite a i<strong>de</strong>ia n<strong>um</strong>acarta a Ella Maillart: “Talvez regressea Portugal para viver no campo (…)”.Podia ter sido o lugar escolhido paracontinuar a procurar aquilo que nuncaencontrou. O lugar escolhido para ofim da aventura. Não po<strong>de</strong>mos saber.Ver agenda <strong>de</strong> exposições na pág. 42 esegs.
ENCONTRO:entre a paisagem e a abstracçãoOBRAS DA COLECÇÃO BESart/// DE 04 DE FEVEREIRO A 09 DE ABRIL// MORADAPraça Marquês <strong>de</strong> Pombalnº3, 250-161 <strong>Lisboa</strong>// TELEFONE21 359 73 58// HORÁRIOSegunda a Sextadas 9h às 21horas// EMAILbesarte.financa@bes.pt