10.07.2015 Views

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

Édipo, um rapaz de Lisboa - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

a pele, sobre como o excesso nos fazparar e evoluir doutra maneira, sobrenascer e renascer”, diz ao Ípsilon.Mais <strong>um</strong> “big bang”, portanto, e nãoé só em certo sentido. “nieuwZwart”é literalmente a criação <strong>de</strong> <strong>um</strong> mundo,mais do que a refundação <strong>de</strong> Wim Van<strong>de</strong>keybus:“É <strong>um</strong>a peça muito alienante– é tudo tão irreconhecível que pareceque fomos parar a outro planeta– e muito abstracta. Uma história daexistência h<strong>um</strong>ana, do que acontece apartir do momento em que nascemospor causa <strong>de</strong>sta nossa tendência paranos transfigurarmos continuamente”,continua. Na língua <strong>de</strong>le, é isso quesignifica começar do zero, completamenteàs escuras (“Ensaiámos semprena escuridão, com <strong>um</strong>a luz minimal”,disse ao diário belga “Le Soir”), exactamentecomo quando chegou à dança,vindo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a infância no campo comos animais (o pai era veterinário) e teve<strong>de</strong> criar <strong>um</strong>a linguagem “a partir do“‘nieuwZwart’ é <strong>um</strong>aauto-crítica:precisava <strong>de</strong> fazeroutras coisas,e o espectáculotambém é sobre isso.Sobre a necessida<strong>de</strong>que às vezes temos<strong>de</strong> largar a pele”Wim Van<strong>de</strong>keybusWim Van<strong>de</strong>keybus quis“montar <strong>um</strong>a equipanova”, com “pessoasa quem fosse precisoexplicar tudo outra vez”instinto, a partir <strong>de</strong> tudo o que não sabia”(e a partir <strong>de</strong>ssa confiança sobreh<strong>um</strong>anaque os animais têm no corpo).Van<strong>de</strong>keybus quis começar do zero aténo título: “‘Nieuw’ é novo em neerlandês,‘zwart’ é preto. Juntei os dois termos,e é como se tivesse inventado<strong>um</strong>a palavra nova. Agrada-me que otítulo não seja legível, que tenha mistério.Mas é <strong>um</strong> nome como os outros:é a pessoa que faz o nome, não é o nomeque faz a pessoa. A peça po<strong>de</strong> sero que quisermos”. Está <strong>de</strong>finitivamentemudado: “Há <strong>de</strong>z anos ter-me-ia recusadoa dizer que o meu trabalho éabstracto. Mas agora acho que somos<strong>de</strong>masiado manipuladores, que queremosimpor <strong>de</strong>masiadas verda<strong>de</strong>ssobre o mundo aos espectadores. Nãoera isso que me apetecia fazer agora”,contou ao “Le Soir”.Como <strong>um</strong> aci<strong>de</strong>nteO que lhe apetecia fazer agora era olharpara o “espaço em branco” entre o nascimentoe a morte, e para a maneiracomo tentamos <strong>de</strong>sesperadamentesobreviver e, tendo tempo para, dar<strong>um</strong> sentido a isso. É <strong>um</strong>a luta, e a lutacontinua em “nieuwZwart”, que começacom o fim <strong>de</strong> qualquer coisa, océu em cima da cabeça <strong>de</strong> sete miúdose o mundo a tentar recompor-se (comoeles, imaginamos, tentam recompor-seno fim <strong>de</strong> cada apresentação: Van<strong>de</strong>keybusquis fazer “outras coisas”mas continua a abusar fisicamente <strong>de</strong>quem aceita ir com ele para todo o lado).A criação do mundo sai-nos docorpo, arg<strong>um</strong>enta: “Renascer paramim é <strong>um</strong> choque, <strong>um</strong>a coisa que vemdas entranhas: é como quando caímos,como quando temos <strong>um</strong> aci<strong>de</strong>nte”.Tudo o que vem a seguir ao choque énovo, e nisso “nieuwZwart” é <strong>um</strong> segundo“What The Body Does Not Remember”:“As pessoas dizem que estapeça tem alg<strong>um</strong>a coisa do princípio, etem. No princípio eu também era <strong>um</strong>coreógrafo muito abstracto, e tambémandava à procura <strong>de</strong> corpos que sobrevivessema tudo”, diz-nos.Os sete corpos que procurou especificamentepara pôr em “nieuwZwart”também vêm <strong>de</strong> outro planeta:“Com a peça anterior, ‘Spiegel’,foi como se tivéssemos chegado ao fim<strong>de</strong> qualquer coisa. Alguns bailarinosda Última Vez tinham vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> pararpara fazer outras coisas, outrostiveram filhos, e foi quase natural euir à procura <strong>de</strong> outras pessoas. Os bailarinoscom quem estou habituado atrabalhar conhecem-me <strong>de</strong>masiadobem, sabem <strong>de</strong>masiado bem o quequerem fazer e o que não querem fazer.Tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> montar <strong>um</strong>aequipa nova, com pessoas que não meconhecessem, não me percebessem,não interpretassem as minhas instruçõesem função do que fizemos juntosantes – pessoas a quem fosse precisoexplicar tudo outra vez”. Foi mesmopreciso: a nova geração <strong>de</strong> bailarinos,nota Van<strong>de</strong>keybus, “é mais individualista,mais egocêntrica e menos comunicativado que as anteriores”, epercebe-se que “esses miúdos per<strong>de</strong>ram<strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> parte da história dadança”. Tem as suas <strong>de</strong>svantagens – “Émais difícil conseguir que se comportemcomo <strong>um</strong> grupo no estúdio, on<strong>de</strong>eu <strong>de</strong>testo que as pessoas permaneçamcompletamente sozinhas. Mas osmúsicos são mais velhos, e quandochegaram impôs-se <strong>um</strong>a comunicaçãoque eles tiveram <strong>de</strong> respeitar” – mastambém tem as suas vantagens. Seestivermos com atenção, “percebemosque eles afinal têm histórias paracontar”: a maneira como se movimentamainda não foi sequer inventada,e nisso até Wim Van<strong>de</strong>keybus está <strong>de</strong>boca aberta (também era o espírito).Como noutras criações do coreógrafopara a Última Vez, há <strong>um</strong> textodo flamengo Peter Verhelst (que “estálá mas não é para ser compreendidointegralmente”, até porque não foiponto <strong>de</strong> partida para “nieuwZwart”,antes ponto <strong>de</strong> chegada), e há <strong>um</strong>abanda sonora impositiva. Depois <strong>de</strong>David Byrne (“In Spite of Wishing andWanting”, 1999), Marc Ribot (“InasmuchAs Life Is Borrowed…”, 2000)e David Eugene Edwards (“Blush”,2003), Van<strong>de</strong>keybus quis que MauroPawlowski, dos dEUS, estivesse porperto. “Conhecemo-nos há imensosanos, ele faz muitas performances egravações em lugares não convencionais,coisas muito estranhas que équase impossível encontrar em disco.Até por isso achei que a banda sonora<strong>de</strong>sta peça <strong>de</strong>via ser ao vivo: é <strong>um</strong>amaneira <strong>de</strong> nunca sabermos exactamentecomo vai ser. A música manipulaos bailarinos, é <strong>um</strong>a coisa muitofísica. Há <strong>um</strong>a energia incrível que secria ali, e que nos explo<strong>de</strong> na cara”.Ví<strong>de</strong>o não há, não havia espaço. É<strong>um</strong>a coisa que ele continua a quererfazer quase mais do que a dança – eque está a fazer neste preciso momentopara a próxima criação, que temestreia em Setembro, e para <strong>um</strong>a longa-metragema sério, agendada para2012 – mas agora não. Agora queriafazer coisas selvagens, queria animais<strong>de</strong> palco. “Eu e o Mauro sempre conversámosmuito sobre rituais, sobreessas coisas que já ninguém faz, comosaltar fogueiras no fim da Primavera.É isso que estamos a fazer agora, juntos:a saltar fogueiras”. Apostamosque não vai haver queimaduras <strong>de</strong>segundo grau: sempre soubemos queeste <strong>rapaz</strong>, Wim Van<strong>de</strong>keybus, ia sobrevivera tudo. Até a ele próprio.Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos pág. 48Ípsilon • Sexta-feira 19 Fevereiro 2010 • 15

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!