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As pessoas com deficiência em Maputo e Matola - Handicap ...

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Representação social da DeficiênciaCapítulo1I/ Crenças e representações colectivas relativas às causas da Deficiênciaa) A Deficiência é essencialmente <strong>com</strong>preendida <strong>com</strong>o uma doençaA maioria das <strong>pessoas</strong> interrogadas durante os grupos de discussão associam <strong>em</strong> primeiro lugar a Deficiênciaà dimensão médica da incapacidade. A Deficiência é sobretudo considerada <strong>com</strong>o uma doença que namaioria dos casos se “apanha” à nascença. A deficiência pode ser auditiva, visual ou motora principalmente<strong>em</strong> virtude da hereditariedade familiar ou ainda de uma má formação congénita ligada a casos de incestoentre parentes próximos ou ainda devido a <strong>com</strong>plicações durante o parto. Alguns argumentam que aDeficiência pode também aparecer durante a vida, de forma súbita e traumática (acidente, ferimentode guerra, <strong>com</strong>plicações pós-operatórias) ou ainda mais lenta e degenerescente (doença invalidante,consumo de álcool ou de drogas).Quando se convidam os m<strong>em</strong>bros da <strong>com</strong>unidade a exprimir<strong>em</strong>-se sobre as causas da Deficiência, vêsesurgir <strong>em</strong> filigrana uma transposição do discurso habitual sobre os modos de transmissão do HIV.Massivamente alertados sobre o carácter transmissível, inreversível e invalidante do vírus, e sobrea necessidade de se proteger<strong>em</strong> de uma ameaça difusa, parece que os indivíduos teriam interiorizadopaulatinamente os mesmos reflexos relativos à Deficiência. El<strong>em</strong>entos similares aparec<strong>em</strong> claramenteentre as duas probl<strong>em</strong>áticas e, de maneira inconsciente, a Deficiência é frequent<strong>em</strong>ente vista <strong>com</strong>opotencialmente contagiosa e transmissível de um indivíduo a outro, da mãe para o filho…etc. num reflexohigienista, parece então mais prudente isolar as <strong>pessoas</strong> “atacadas” por uma deficiência a fim de preservaros indivíduos “sãos” da <strong>com</strong>unidade.b) Crenças populares que estruturam profundamente as representações colectivasMas é sobretudo o desconhecimento das causas da Deficiência que predomina na <strong>com</strong>unidade, abrindofrequent<strong>em</strong>ente a porta a outras formas de interpretação b<strong>em</strong> enraizadas na cultura tradicional, sobretudonos bairros periféricos principalmente povoados de neo-urbanos. O discurso social assenta-se <strong>em</strong> razõesmais afastadas da racionalidade científica, quando se trata de examinar as causas da deficiência, <strong>com</strong>oa maldição, o destino, a má sorte, ou muito simplesmente o azar. Inúmeras lendas e crenças popularesalimentam as representações colectivas para tentar explicar o surgimento da Deficiência numa pessoa ounuma família, e 3 eixos figurativos aparec<strong>em</strong> particularmente estruturantes:Uma intervenção divina para punir os vícios ou os hábitos imorais dos pais:- “as famílias ricas são punidas pela sua avareza e é por isso que têm uma criança deficiente”- “se o primeiro filho de uma família rica nasce <strong>com</strong> uma deficiência, é considerado <strong>com</strong>o o provedorde riqueza, um sacrifício voluntariamente consentido pelo pai da família ao curandeiro a fim degarantir a prosperidade futura da família”.- “uma criança nasce <strong>com</strong> uma deficiência quando os deuses pun<strong>em</strong> uma mãe infiel”.Um diferendo entre inimigos vingado pelo recurso à magia negra:- “alguns diz<strong>em</strong> que é devido a um diferendo de vizinhança, resultado de uma vingança entre m<strong>em</strong>brosda <strong>com</strong>unidade”.- “a deficiência é frequent<strong>em</strong>ente provocada por um curandeiro quando alguém procura vingarsede um inimigo. Ele não lhe pede para o matar mas de o tornar deficiente para lhe fazer mal,paralisando-lhe um braço, por ex<strong>em</strong>plo”.Uma maldição de orig<strong>em</strong> mística:- “uma pessoa que olhar para um albino e engolir ao mesmo t<strong>em</strong>po a saliva irá ter uma criançadeficiente”- “quando uma criança aspirar dentro de uma peneira, torna-se surda”- “diz-se que a criança que antes da puberdade anda no pátio da casa dos pais de capulana terá filhosdeficientes quando se casar”- “diz-se frequent<strong>em</strong>ente que as <strong>pessoas</strong> amputadas perd<strong>em</strong> uma parte do seu discernimento vistouma parte do seu corpo estar já no além”.- “um soldado que não for para casa para ver a esposa durante uma licença receberá uma bala naperna quando regressar ao campo de batalha”.- “diz-se que quando uma pessoa albina morre, o seu corpo desaparece para s<strong>em</strong>pre da face daterra”.Constatamos que estas crenças e lendas têm igualmente uma função de regulação social: as mulheresdev<strong>em</strong> velar pelos filhos, as crianças não se dev<strong>em</strong> rir das <strong>pessoas</strong> <strong>com</strong> deficiência, os homens não dev<strong>em</strong>praticar a infidelidade, as relações de vizinhança dev<strong>em</strong> ser cordiais… A Deficiência é assim utilizada <strong>com</strong>ouma ameaça à qual nos expomos se nos desviarmos da norma e da moral. Mesmo quando têm maiscrédito entre as categorias sociais mais desfavorecidas, estas crenças populares estão manifestamenteenraizadas no imaginário colectivo e transcend<strong>em</strong> a pertença social.c) O surgimento da deficiência é vivido <strong>com</strong>o uma fatalidadeNa altura do nascimento de uma criança <strong>com</strong> deficiência numa família, acontece frequent<strong>em</strong>ente que amulher seja pura e simplesmente abandonada pelo marido. Na realidade, esta é geralmente tida <strong>com</strong>oresponsável pela deficiência do recém-nascido (<strong>em</strong> virtude de um <strong>com</strong>portamento considerado imprópriodurante a gravidez, de uma suposta infidelidade ou ainda de uma linhag<strong>em</strong> familiar reputada menos“pura” que a do marido). Quando a Deficiência aparece no decurso da vida, gera igualmente fenómenos derejeição e de exclusão na célula familiar. O marido que sofre uma amputação é por ex<strong>em</strong>plo consideradoum indivíduo inútil, potencialmente incapaz de dar respostas às das necessidades da família.<strong>As</strong> famílias têm frequent<strong>em</strong>ente o reflexode ir consultar um curandeiro, logo nosprimeiros dias, após o surgimento dadeficiência (depois do nascimento, deum acidente…), para tentar atenuá-laou fazê-la desaparecer por meio de umritual de “purificação” e de um r<strong>em</strong>édioespecialmente preparado (macumba). Emcaso de incesto de um pai <strong>com</strong> a filha, as<strong>pessoas</strong> vão ao curandeiro antes mesmodo nascimento da criança, a fim de afastarqualquer risco de má formação congénita. Otratamento da Deficiência representa assimuma fonte de rendimento particularmentepara os curandeiros (tal <strong>com</strong>o o tratamentodo HIV/SIDA), principalmente junto defamílias <strong>em</strong> estado de aflição que já nãotêm outra alternativa que não seja ir aosmédicos tradicionais, na ausência de umamedicina convencional acessível e eficaz.2829

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