edição de 13 de março de 2017
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última página<br />
Fe<strong>de</strong>rica Valabrega/Divulgação<br />
transformação<br />
ou oportunismo?<br />
CLAUDIA PENTEADO<br />
Mais um Dia Internacional da Mulher se<br />
passou, com algumas novida<strong>de</strong>s e as<br />
ladainhas <strong>de</strong> sempre: mulheres reclamando<br />
que não precisam <strong>de</strong> homenagens, outras<br />
achando bacana ter um dia para chamar <strong>de</strong><br />
seu, um sem-número <strong>de</strong> pesquisas apontando<br />
as mesmas tendências e preferências<br />
do público feminino, a vida seguindo na<br />
corrida rotina <strong>de</strong> sempre. Entre as marcas,<br />
o que se viu foram investimentos mais estruturados<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s empresas anunciantes,<br />
no lugar do predomínio <strong>de</strong> mensagens<br />
<strong>de</strong> ONGs ou associações. De certa forma,<br />
muitas parecem ter percebido que “agora<br />
é pra valer”. O que me intriga é se a abordagem<br />
mais séria do tema se<br />
limitará ao brilhantismo das<br />
ações <strong>de</strong> comunicação ou<br />
se, <strong>de</strong> fato, faz parte <strong>de</strong> uma<br />
agenda <strong>de</strong> transformação real<br />
- que passa, por exemplo,<br />
pelo ambiente <strong>de</strong> trabalho,<br />
pelas ações no mundo real<br />
como reflexo <strong>de</strong> uma (nova)<br />
visão <strong>de</strong> mundo.<br />
Chamou a atenção, mundialmente,<br />
uma menina <strong>de</strong><br />
bronze posicionada, <strong>de</strong>safiadoramente,<br />
<strong>de</strong> frente para o emblemático<br />
Charging Bull, o touro <strong>de</strong> Wall Street. A<br />
ação Fearless Girl foi criada pela McCann <strong>de</strong><br />
Nova York para a empresa <strong>de</strong> investimentos<br />
State Street Global Advisors, convocando<br />
as mais <strong>de</strong> 3.500 empresas que ela assessora<br />
a ampliarem o número <strong>de</strong> mulheres em<br />
seus boards corporativos. Uma belíssima<br />
i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong> fortíssima repercussão, inspirada<br />
no tema central escolhido pela ONU para<br />
o Dia Internacional da Mulher: o papel da<br />
mulher no novo mundo do trabalho.<br />
A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero no mundo dos<br />
negócios é apenas uma das abordagens da<br />
temática feminina e passa por muitos aspectos,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a preferência pela contratação<br />
<strong>de</strong> homens ao assédio <strong>de</strong> colegas, os<br />
“A questão<br />
<strong>de</strong> gênero<br />
precisA mudAr<br />
do território<br />
do discurso<br />
vAzio pArA o dA<br />
trAnsformAção<br />
reAl”<br />
salários mais baixos, o preconceito velado.<br />
Entre as 23 executivas entrevistadas na <strong>edição</strong><br />
especial do PROPMARK <strong>de</strong>dicada à mulher,<br />
apenas seis afirmaram nunca terem<br />
sofrido algum problema significativo no<br />
trabalho por serem mulheres. Sendo que<br />
essas poucas me pareceram ter escolhido<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado aqueles assédios <strong>de</strong> menor<br />
monta, mais corriqueiros, aquelas pequenas<br />
agressões que todas nós, <strong>de</strong> uma forma<br />
ou <strong>de</strong> outra, sofremos ao longo da vida.<br />
No Brasil, a marca Skol (leia-se F/Nazca<br />
S&S) se dispôs a romper oficialmente com<br />
seu passado afirmando, diante <strong>de</strong> antigos<br />
pôsteres da marca que exibiam mulheres<br />
gostosas: “O mundo evoluiu e isso não nos<br />
representa mais”. Desconstruir<br />
estereótipos simbolicamente ao<br />
convidar artistas para recriar os<br />
pôsteres foi uma boa i<strong>de</strong>ia num<br />
dos segmentos <strong>de</strong> anunciantes<br />
que mais <strong>de</strong>srespeitaram as mulheres<br />
ao longo da sua história.<br />
Gran<strong>de</strong>s marcas possuem o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> levantar ban<strong>de</strong>iras,<br />
discussões e influenciar o mundo.<br />
Po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem usá-lo.<br />
Torço para que a escultura<br />
<strong>de</strong> Kristen Visbal, inspirada nas filhas <strong>de</strong><br />
amigas, se torne um novo ícone na cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Nova York, representando o meu <strong>de</strong>sejo<br />
particular <strong>de</strong> que, ao contrário <strong>de</strong> mim,<br />
a minha filha possa crescer sem (tanto)<br />
medo. Porque por mais que as novas ou velhas<br />
feministas ou as machistas <strong>de</strong> plantão<br />
discutam, argumentem, a verda<strong>de</strong> inconveniente<br />
é que as mulheres passam pela<br />
vida administrando medos <strong>de</strong>mais, e só nós<br />
sabemos o quanto diversos <strong>de</strong>les nos congelaram<br />
e nos impediram (ou ainda impe<strong>de</strong>m)<br />
<strong>de</strong> fazer o que realmente queremos.<br />
É injusto e é real. Não é brinca<strong>de</strong>ira, não é<br />
jogo <strong>de</strong> palavras. Por isso a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
gênero precisa sair <strong>de</strong>finitivamente do território<br />
do discurso vazio e do oportunismo<br />
para o da transformação e da ação.<br />
58 <strong>13</strong> <strong>de</strong> <strong>março</strong> <strong>de</strong> <strong>2017</strong> - jornal propmark