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edição de 12 de fevereiro de 2018

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última página<br />

saravuth-photohut/iStock<br />

a falta que o<br />

Julio me fez<br />

Stalimir Vieira<br />

Alguns anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido contratado<br />

pela DPZ, em 1981, recebi um convite<br />

para trabalhar na Talent. Como estava<br />

muito feliz, ao lado do Petit, do Zara, do<br />

Roberto, do Washington, do Neil e <strong>de</strong> tantas<br />

outras estrelas daquela constelação <strong>de</strong><br />

criativos, preferi ficar.<br />

Hoje, voltando o pensamento para aquele<br />

momento, me ocorre que não foi só por<br />

isso que <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ir.<br />

Não fui porque a Talent era uma agência<br />

ambígua na percepção <strong>de</strong> um “criativo<br />

típico” dos anos 1980. Explico (ou tento<br />

explicar): vivíamos o apogeu da autossuficiência<br />

criativa. Funcionava<br />

mais ou menos assim: você<br />

estava numa reunião <strong>de</strong> que<br />

participavam profissionais do<br />

marketing do cliente e o atendimento<br />

da agência. Discutia-se<br />

assunto intrincado, que vinha<br />

tirando o sono <strong>de</strong> todos. Você<br />

escutava aquilo tudo e, <strong>de</strong> repente,<br />

falava uma frase, uma<br />

única frase, que <strong>de</strong>satava todo<br />

aquele nó.<br />

Um repente, uma intuição, uma sacada.<br />

Zero <strong>de</strong> empirismo. Distensionava o ambiente<br />

e você era aclamado herói daquela<br />

gente, inclusive por dar uma sobrevida a<br />

seus empregos. O oposto disso era a burocracia,<br />

o chamado by the book. Que nada<br />

mais era do que seguir regras, confinando<br />

soluções criativas a equações <strong>de</strong> planejamento.<br />

As coisas eram realizadas <strong>de</strong>sse<br />

jeito, principalmente nas agências norte-<br />

-americanas que, no melhor estilo do projeto<br />

USAID ensinando nativos a escovar os<br />

<strong>de</strong>ntes, mandava cartilhas com regras <strong>de</strong><br />

como fazer as coisas direito em suas sucursais<br />

brasileiras.<br />

Como <strong>de</strong>tinham contas alinhadas, aquilo<br />

<strong>de</strong>sse ou não os resultados <strong>de</strong>sejados, o<br />

máximo do “castigo” a que a agência estava<br />

sujeita era ter <strong>de</strong> trocar algum executivo,<br />

às vezes vindo um gringo para “corrigir” os<br />

erros do brasileiro. Um ambiente, portanto,<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s limitações para a vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

criativo genuíno daqueles tempos.<br />

O redator e o diretor <strong>de</strong> arte que viviam<br />

o privilégio <strong>de</strong> trabalhar numa agência<br />

como a DPZ (se é que na época havia alguma<br />

agência “como a DPZ” senão a própria<br />

DPZ) olhava o entorno e não se sentia seguro<br />

para <strong>de</strong>ixar aquele lugar encantado.<br />

Suponho que essa síndrome tenha me<br />

acometido diante do convite da Talent.<br />

Pior: na Talent, a estrela era o<br />

“pu<strong>de</strong>sse<br />

voltar<br />

no tempo,<br />

aceitaria o<br />

convite da<br />

talent”<br />

cara do planejamento. Alguém<br />

que conseguira libertar o planejamento<br />

da gaiola <strong>de</strong> uma cartilha<br />

gringa.<br />

Era um fenômeno. Um pioneiro.<br />

Pois não sendo, como nós,<br />

brilhantes sacadores <strong>de</strong> mensagens<br />

emocionantes na ponta,<br />

nem um chato cagador <strong>de</strong> regras<br />

escritas pelos outros fazendo um meio <strong>de</strong><br />

campo empatador, se constituía, <strong>de</strong> fato,<br />

num criativo autêntico, quebrando padrões<br />

e apontando soluções <strong>de</strong> precisão cirúrgica<br />

no planejamento. Um guia confiável para a<br />

criação. Mas como um guia confiável para<br />

a criação que não era do “<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong><br />

criação”? É isso o que se chama <strong>de</strong> excepcionalida<strong>de</strong>.<br />

Eu não soube lidar com isso. Embora tenha<br />

na DPZ uma escola insubstituível, pu<strong>de</strong>sse<br />

voltar no tempo me <strong>de</strong>ixaria levar<br />

pelo profundo respeito pelo Julio, aceitaria<br />

o convite da Talent e exerceria com feliz humilda<strong>de</strong><br />

a subordinação à sua inteligência.<br />

Sim, me faltou o Julio Ribeiro no currículo.<br />

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing<br />

stalimircom@gmail.com<br />

42 <strong>12</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark

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