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última página<br />
saravuth-photohut/iStock<br />
a falta que o<br />
Julio me fez<br />
Stalimir Vieira<br />
Alguns anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido contratado<br />
pela DPZ, em 1981, recebi um convite<br />
para trabalhar na Talent. Como estava<br />
muito feliz, ao lado do Petit, do Zara, do<br />
Roberto, do Washington, do Neil e <strong>de</strong> tantas<br />
outras estrelas daquela constelação <strong>de</strong><br />
criativos, preferi ficar.<br />
Hoje, voltando o pensamento para aquele<br />
momento, me ocorre que não foi só por<br />
isso que <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ir.<br />
Não fui porque a Talent era uma agência<br />
ambígua na percepção <strong>de</strong> um “criativo<br />
típico” dos anos 1980. Explico (ou tento<br />
explicar): vivíamos o apogeu da autossuficiência<br />
criativa. Funcionava<br />
mais ou menos assim: você<br />
estava numa reunião <strong>de</strong> que<br />
participavam profissionais do<br />
marketing do cliente e o atendimento<br />
da agência. Discutia-se<br />
assunto intrincado, que vinha<br />
tirando o sono <strong>de</strong> todos. Você<br />
escutava aquilo tudo e, <strong>de</strong> repente,<br />
falava uma frase, uma<br />
única frase, que <strong>de</strong>satava todo<br />
aquele nó.<br />
Um repente, uma intuição, uma sacada.<br />
Zero <strong>de</strong> empirismo. Distensionava o ambiente<br />
e você era aclamado herói daquela<br />
gente, inclusive por dar uma sobrevida a<br />
seus empregos. O oposto disso era a burocracia,<br />
o chamado by the book. Que nada<br />
mais era do que seguir regras, confinando<br />
soluções criativas a equações <strong>de</strong> planejamento.<br />
As coisas eram realizadas <strong>de</strong>sse<br />
jeito, principalmente nas agências norte-<br />
-americanas que, no melhor estilo do projeto<br />
USAID ensinando nativos a escovar os<br />
<strong>de</strong>ntes, mandava cartilhas com regras <strong>de</strong><br />
como fazer as coisas direito em suas sucursais<br />
brasileiras.<br />
Como <strong>de</strong>tinham contas alinhadas, aquilo<br />
<strong>de</strong>sse ou não os resultados <strong>de</strong>sejados, o<br />
máximo do “castigo” a que a agência estava<br />
sujeita era ter <strong>de</strong> trocar algum executivo,<br />
às vezes vindo um gringo para “corrigir” os<br />
erros do brasileiro. Um ambiente, portanto,<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s limitações para a vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
criativo genuíno daqueles tempos.<br />
O redator e o diretor <strong>de</strong> arte que viviam<br />
o privilégio <strong>de</strong> trabalhar numa agência<br />
como a DPZ (se é que na época havia alguma<br />
agência “como a DPZ” senão a própria<br />
DPZ) olhava o entorno e não se sentia seguro<br />
para <strong>de</strong>ixar aquele lugar encantado.<br />
Suponho que essa síndrome tenha me<br />
acometido diante do convite da Talent.<br />
Pior: na Talent, a estrela era o<br />
“pu<strong>de</strong>sse<br />
voltar<br />
no tempo,<br />
aceitaria o<br />
convite da<br />
talent”<br />
cara do planejamento. Alguém<br />
que conseguira libertar o planejamento<br />
da gaiola <strong>de</strong> uma cartilha<br />
gringa.<br />
Era um fenômeno. Um pioneiro.<br />
Pois não sendo, como nós,<br />
brilhantes sacadores <strong>de</strong> mensagens<br />
emocionantes na ponta,<br />
nem um chato cagador <strong>de</strong> regras<br />
escritas pelos outros fazendo um meio <strong>de</strong><br />
campo empatador, se constituía, <strong>de</strong> fato,<br />
num criativo autêntico, quebrando padrões<br />
e apontando soluções <strong>de</strong> precisão cirúrgica<br />
no planejamento. Um guia confiável para a<br />
criação. Mas como um guia confiável para<br />
a criação que não era do “<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong><br />
criação”? É isso o que se chama <strong>de</strong> excepcionalida<strong>de</strong>.<br />
Eu não soube lidar com isso. Embora tenha<br />
na DPZ uma escola insubstituível, pu<strong>de</strong>sse<br />
voltar no tempo me <strong>de</strong>ixaria levar<br />
pelo profundo respeito pelo Julio, aceitaria<br />
o convite da Talent e exerceria com feliz humilda<strong>de</strong><br />
a subordinação à sua inteligência.<br />
Sim, me faltou o Julio Ribeiro no currículo.<br />
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing<br />
stalimircom@gmail.com<br />
42 <strong>12</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark