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Revista Apólice #227

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comunicação e expressão<br />

por J. B. Oliveira*<br />

“É um momento onde só a<br />

acusação tem vez e tem voz”<br />

A Folha de São Paulo de domingo, 5 de novembro de<br />

2017, dá notícia do comunicado de um grupo de advogados,<br />

em boa parte com clientes investigados na Lava Jato,<br />

que diz, a certa altura: “Reagir aos abusos da Lava Jato é<br />

uma coisa que nos une. Mas não é só isso. Nós queremos<br />

a garantia de nossa profissão. É um momento onde só a<br />

acusação tem vez e tem voz”. (“Advogados querem entidade<br />

contra ‘abusos’ da Lava Jato” – Poder A7)<br />

Embora seja advogado e tenha também formação em<br />

Política e Estratégia, não vou adentrar o mérito político ou<br />

jurídico da questão. Há pessoas muito mais competentes,<br />

mais conhecedoras do assunto e mais preparadas cuidando<br />

disso. Fico apenas na seara gramatical. Mais especificamente<br />

no parágrafo final: “É um momento ONDE só a<br />

acusação tem vez e tem voz”...<br />

Acontece que, dentro dos cânones da gramática portuguesa,<br />

esse onde está mal aplicado.<br />

Onde é, em princípio, advérbio de lugar. Mas pode<br />

ser também pronome relativo. Isso se dá quando ele se<br />

desdobra em no qual, na qual, nos quais, nas quais, como<br />

nos exemplos: “O bairro onde (no qual) resido é muito arborizado”.<br />

“Fortaleza, cidade onde (na qual) nasceu José de<br />

Alencar, tem belas praias onde (nas quais) se pode divertir<br />

muito”. “Ilíada e Odisseia são dois importantes trabalhos<br />

literários atribuídos a Homero ONDE (nos quais) está<br />

relatada a epopeia da Guerra de Troia”.<br />

É então que entra o detalhe: a palavra onde só é corretamente<br />

aplicada quando se referir a locais físicos, a algo<br />

de consistência material, tangível. Nos exemplos acima,<br />

bairro, Fortaleza, praias e Ilíada e Odisseia são elementos<br />

concretos. Nas circunstâncias em que isso não ocorra, a boa<br />

prática gramatical recomenda usar a forma em que. Logo,<br />

no texto em comento – como costumam dizer os colegas<br />

juristas – a construção frásica correta seria “É um momento<br />

EM QUE só a acusação tem vez e tem voz”!<br />

Aproveitando a chance, é oportuno tecer considerações<br />

sobre as formas ONDE e AONDE, que muitas<br />

pessoas julgam ser equivalentes ou sinônimas e as usam<br />

indistintamente.<br />

Afinal, quando usar uma forma e quando usar outra?<br />

A resposta é simples, e demanda apenas um pouco<br />

de observação.<br />

AONDE nada mais é do que ONDE com um “A” na<br />

frente. Esse “A” é uma preposição, que aqui tem o sentido<br />

de PARA.<br />

Em consequência, AONDE quer dizer PARA ONDE,<br />

isto é, traz a ideia de movimento, de deslocamento: “AONDE<br />

(para onde) vão seus pensamentos, meu jovem?” “Se você<br />

tem liberdade plena, você vai AONDE (para onde) quiser.”<br />

“AONDE (para onde) os políticos estão levando o nosso<br />

Brasil?” “AONDE (para onde) foram os valores éticos e<br />

morais de nossa sociedade?” AONDE (para onde) iremos<br />

nas férias de fim de ano?<br />

Portanto, em caso de dúvida, basta verificar se cabe a<br />

preposição PARA.<br />

ONDE, por sua vez, é empregado em relação a um<br />

lugar físico e quando não está presente a ideia de movimento.<br />

“Vivo na mesma cidade ONDE nasci, ainda no<br />

século passado”. “O mausoléu ONDE estão os corpos dos<br />

heróis de 1932 fica no Parque do Ibirapuera, em São Paulo”.<br />

(Em outra construção, a frase poderia ser: “Os mausoléus<br />

AONDE (para onde) foram levados os corpos dos heróis<br />

de 1932 fica no Parque do Ibirapuera, em São Paulo”.<br />

Resumo da ópera: em caso de dúvida, verifique se a<br />

preposição PARA é admissível antes de ONDE!<br />

Para fechar, volto à palavra usada neste texto, no segundo<br />

parágrafo: o verbo ADENTRAR. Tenho-o visto<br />

acompanhado da preposição EM, ou da combinação NO,<br />

NA, em frases mais ou menos assim: “O professor adentrou<br />

na sala de aula depois dos alunos”. “O vento frio adentrou<br />

em nosso quarto” etc.<br />

A questão é que ADENTRAR é uma palavra parassintética,<br />

fenômeno que ocorre quando entram simultaneamente<br />

um prefixo e um sufixo na formação do vocábulo.<br />

No caso presente, temos: a + dentro + ar. E esse “a” é uma<br />

preposição, equivalente a “para”. O sentido, portanto, é<br />

PARA DENTRO. Logo, não há cabimento para uma nova<br />

preposição. Embora haja certa divergência entre os gramáticos,<br />

o bom senso sugere que as formas gramaticais corretas<br />

são: “O professor adentrou a sala depois dos alunos” e “O<br />

vento frio adentrou nosso quarto”.<br />

Simples assim!<br />

* J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.<br />

É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras<br />

www.jboliveira.com.br – jboliveira@jbo.com.br<br />

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