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Do ponto de vista evolutivo, os<br />
primórdios dos sistemas nervosos e<br />
das mentes que com eles emergiram,<br />
entraram em cena na história da vida<br />
há cerca de 600 milhões de anos para<br />
otimizar a sobrevivência dos corpos<br />
que passaram a detê-los. Com a entrada<br />
dos sistemas nervosos no jogo da<br />
vida, os corpos que os possuíam<br />
podiam criar imagens mais detalhadas<br />
do seu meio interior e do meio exterior<br />
onde se inseriam, o que foi promovido<br />
pela seleção natural.<br />
A função vital da mente é, portanto,<br />
por um lado conhecer detalhadamente<br />
o meio que o corpo se insere, por<br />
outro, conhecer pormenorizadamente o<br />
meio interno do próprio corpo, retirando<br />
dele toda a informação sobre o que<br />
é e como está esse corpo. A mente é<br />
serva do corpo e o neurónio é, aliás,<br />
uma célula direcionada e vocacionada<br />
para o corpo.<br />
Ora, segundo esta perspetiva, o<br />
cérebro de Messi projeta mentalmente<br />
um determinado corpo. Ou<br />
seja, a mente de Messi reproduz, e é<br />
em grande m<strong>ed</strong>ida constituída, por<br />
imagens dos estados internos do seu<br />
corpo, nomeadamente a sua morfologia<br />
e a sua fisiologia. Em poucas palavras,<br />
o cérebro de Messi reproduz em<br />
“linguagem” mental o estado “físico”<br />
do seu corpo.<br />
Posto isto, de que forma o corpo de<br />
Messi nos pode ajudar a compreender<br />
o seu talento? No meu ponto de vista,<br />
a qualidade de Messi tem que ver, fundamentalmente,<br />
com dois fatores:<br />
1) a sua relação com a bola em<br />
contexto de jogo, que tem que ver<br />
com um mapeamento interno do<br />
organismo e 2) a sua compreensão<br />
do jogo, que está relacionado com o<br />
mapeamento exterior ao organismo,<br />
nomeadamente das ações dos seus<br />
colegas e adversários.<br />
A relação de Messi com a bola<br />
em contexto de jogo depende da sua<br />
habilidade técnica, da sua capacidade<br />
em mudar de velocidade, alterar vertiginosamente<br />
de direção e de arrancar<br />
com a bola “colada” ao pé. Ora, todas<br />
estas ações dependem das instruções<br />
que o corpo de Messi forneceu à<br />
mente criando um duplo neuronal<br />
(com mapas de ação) capaz de as<br />
operar sem grande dificuldade sempre<br />
que a situação o exige, de forma<br />
totalmente automática, sem auxílio<br />
significativo da consciência. De referir<br />
que estas ações, embora dependam da<br />
harmonia do corpo na sua totalidade é<br />
altamente provável que exista proeminência<br />
de alguns sistemas neuronais<br />
como, entre outras, do cerebelo, crucial<br />
para a coordenação motora. Penso<br />
que o sistema límbico, relacionado<br />
com as emoções (e com os sistemas de<br />
recompensa e castigo), desempenha<br />
igualmente um papel decisivo, sobretudo<br />
na aprendizagem e no enraizamento<br />
de novas ações, ao marcar o<br />
valor de uma determinada ação que<br />
teve sucesso em detrimento de outras<br />
que não tiveram. Temos de questionar<br />
se, inclusive, a falta da hormona de<br />
crescimento somatropina não teve<br />
um papel importante ao não permitir<br />
que o corpo de Messi crescesse num<br />
ritmo normal, tendo feito com que o<br />
seu organismo ficasse dotado de uma<br />
morfologia específica que o capacitou<br />
para um maior desempenho no que<br />
concerne às mudanças de velocidade,<br />
por exemplo. Não tendo o desenvolvimento<br />
natural, o corpo de Messi<br />
teve, igualmente, de arranjar alternativas<br />
para ser bem suc<strong>ed</strong>ido no contexto<br />
de um jogo de contacto viril e<br />
agressivo, estimulando a criatividade<br />
e, assim, o evitamento dos adversários<br />
pelo drible e não pelo confronto<br />
físico. De referir, igualmente, os sistemas<br />
neuronais relacionados com o<br />
equilíbrio (sistema vestibular) e com<br />
perceção sensorial (córtices associativos),<br />
fundamentais para as ações<br />
acima referidas.<br />
Para que a relação com a bola<br />
em contexto de jogo de Messi seja<br />
produtiva, julgo ser necessário um<br />
cérebro portentoso, não só capaz de<br />
ser particularmente ativo ou<br />
dotado nos sistemas neuronais acima<br />
referidos, como para mapear eficazmente<br />
um conjunto enorme de<br />
ações eficientes que têm de estar disponíveis<br />
sempre que o contexto<br />
o exige.<br />
52 •<br />
"... quando Messi está a jogar futebol, o seu cérebro é como uma<br />
portentosa "máquina" de decisão, avaliando e definindo, de forma<br />
automática, num conjunto de inúmeros processos inconscientes, quais as<br />
ações mais eficientes a executar".