edição de 20 de agosto de 2018
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O estresse<br />
do sucesso<br />
“Gastronomia é comer<br />
olhando para o céu”.<br />
Millôr Fernan<strong>de</strong>s<br />
Francisco alberto Madia <strong>de</strong> souza<br />
Sucesso é bom, mas mata, também.<br />
Depois <strong>de</strong> chegar lá, não há mais para<br />
on<strong>de</strong> ir. Para cima, claro. Para baixo<br />
as oportunida<strong>de</strong>s e possibilida<strong>de</strong>s são<br />
infinitas. E assim, os que chegam lá, comemoram.<br />
E, no dia seguinte, sofrem,<br />
angustiam-se e muitos mergulham em<br />
<strong>de</strong>pressão. Alguns se matam. O dia a dia<br />
<strong>de</strong> um chefe <strong>de</strong> cozinha é carregado <strong>de</strong><br />
preocupações, dúvidas e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
tomar <strong>de</strong>cisões. Trabalha antes, no intervalo<br />
e no <strong>de</strong>pois. E na hora do show, almoços<br />
e jantares, precisa estar elegante,<br />
sorri<strong>de</strong>nte, acolhedor, por, no mínimo,<br />
três horas.<br />
Suicidar-se é uma circunstância na vida<br />
das pessoas. Na dos chefes <strong>de</strong> cozinha não<br />
chega a ser recorrência, mas uma possibilida<strong>de</strong><br />
que jamais po<strong>de</strong> ser ignorada. Nos<br />
últimos <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>z chefes <strong>de</strong> cozinha famosos<br />
optaram pelo suicídio. E outra centena<br />
não tão famosa, também.<br />
Marcus Peter Volke - Austrália,<br />
Tony Robijns - Bélgica,<br />
Tu Yuangao - China,<br />
Richard Brown - Estados Unidos,<br />
Grant Gordon - Estados Unidos,<br />
Anthony Sedlak - Canadá,<br />
Homaro Cantu - Estados Unidos,<br />
Josh Marks - Estados Unidos,<br />
Joseph Cerniglia - Estados Unidos,<br />
Benoît Violier - França.<br />
E neste ano <strong>de</strong> <strong>20</strong>18, o 11º suicídio que<br />
sensibilizou milhões <strong>de</strong> pessoas em todo<br />
o mundo. O do chef e celebrida<strong>de</strong> Anthony<br />
Bourdain.<br />
Entre todos os suicídios, sobre o qual<br />
escrevi um artigo, o <strong>de</strong> Bernard Loiseau,<br />
no dia 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> <strong>20</strong>03, que, diante<br />
da perspectiva <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r uma <strong>de</strong> suas três<br />
estrelas do Guia Gault & Millau, preferiu<br />
matar-se antes.<br />
E, dias <strong>de</strong>pois, ao sair o guia, o Le Côte<br />
Dór permanecia com as mesmas três estrelas.<br />
Não resistiu aos boatos e matou-se antes<br />
da não confirmação. Talvez o primeiro<br />
<strong>de</strong> muitos suicídios <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> “fake<br />
news”.<br />
No dia seguinte ao suicídio <strong>de</strong> Loiseau,<br />
o “pai e mentor profissional <strong>de</strong> todos eles”,<br />
que por sinal morreu no início <strong>de</strong>ste ano<br />
<strong>de</strong> morte natural, Paul Bocuse, disparou:<br />
“Parabéns, Gault Millau, vocês ganharam.<br />
A sua apreciação custou a vida <strong>de</strong> um homem.<br />
Não po<strong>de</strong>mos mais <strong>de</strong>ixar nos manipular<br />
assim. Eu te dou uma estrela, eu te<br />
tomo uma estrela, eu te dou um ponto, eu<br />
te tiro um ponto. Os críticos são como os<br />
eunucos. Eles sabem, mas não po<strong>de</strong>m”.<br />
A novida<strong>de</strong> agora é chefes <strong>de</strong> cozinha<br />
consagrados <strong>de</strong>volvendo as con<strong>de</strong>corações<br />
e pedindo para serem excluídos <strong>de</strong> qualquer<br />
avaliação. No início <strong>de</strong>ste <strong>20</strong>18, Sébastien<br />
Bras convocou a imprensa para informar<br />
a todos que tinha, não obstante suas<br />
três estrelas do Michelin, jogado a toalha.<br />
Disse, em ótimo francês: “Tô fora! Chega,<br />
não quero mais!” Se a onda pegar, o que farão<br />
os guias e os críticos?<br />
Na carta em que explica sua <strong>de</strong>cisão, Bras<br />
diz: “Talvez, a partir <strong>de</strong> agora, eu perca notorieda<strong>de</strong>.<br />
Mas, vou me sentir livre, sem<br />
ficar me perguntando se minhas criações<br />
agradam ou não os inspetores do Michelin...<br />
Somos inspecionados <strong>de</strong> duas a três<br />
vezes por ano. Não sabemos quando. Cada<br />
prato que sai po<strong>de</strong> ser inspecionado. A cada<br />
dia servimos 500 pratos. Se errarmos num<br />
único e aquele for o do inspetor...”.<br />
Difícil esquecer Bernard Loiseau, nem<br />
mesmo Fernando Adriá, o melhor do mundo,<br />
que <strong>de</strong>cidiu fechar seu restaurante por<br />
não suportar mais a pressão. E vale para<br />
tudo na vida. Empresários e profissionais.<br />
O que estamos fazendo na terra? Viemos<br />
aqui, para quê?<br />
Francisco Alberto Madia <strong>de</strong> Souza<br />
é consultor <strong>de</strong> marketing<br />
famadia@madiamm.com.br<br />
56 <strong>20</strong> <strong>de</strong> <strong>agosto</strong> <strong>de</strong> <strong>20</strong>18 - jornal propmark