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edição de 20 de agosto de 2018

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última página<br />

monkeybusinessimages/iStock<br />

a nova or<strong>de</strong>m<br />

mundial<br />

Claudia Penteado<br />

Outro dia assisti a uma entrevista do<br />

produtor cultural Claudio Prado, um<br />

dos criadores da transgressora Mídia Ninja,<br />

em que ele afirmava que o mundo está passando<br />

por uma zona <strong>de</strong> turbulência - que<br />

dará lugar a nova or<strong>de</strong>m mundial, próxima<br />

àquela tão sonhada pelos hippies, on<strong>de</strong> novos<br />

(bons) valores serão finalmente postos<br />

em prática, e no qual as regras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

e progresso que fizeram a roda girar até<br />

aqui não se encaixam mais. Uma espécie<br />

<strong>de</strong> obsolescência programada <strong>de</strong> valores,<br />

dogmas, métodos e sistemas,<br />

que começaram a “dar pau” ao<br />

se colapsarem com ventos soprados<br />

em forma <strong>de</strong> pixels, bits<br />

e outras unida<strong>de</strong>s do universo<br />

digital.<br />

Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma visão<br />

otimista do mundo e um alento<br />

em meio à queda <strong>de</strong> tantos<br />

muros <strong>de</strong> Berlim aos quais temos<br />

assistido, <strong>de</strong> camarote, ou<br />

muitas vezes embrenhados no<br />

meio <strong>de</strong>les, sentindo o impacto<br />

dos tijolos sobre as nossas cabeças, nos últimos<br />

anos. Essa transição para uma nova<br />

era, que os mais esotéricos <strong>de</strong>nominam era<br />

<strong>de</strong> Aquário (uns dizem que começou em<br />

<strong>20</strong>01, outros que está chegando), po<strong>de</strong> ser<br />

a próxima versão, mais or<strong>de</strong>nada - e possivelmente<br />

mais admirável - <strong>de</strong>ssa colossal<br />

<strong>de</strong>sconstrução que estamos vivenciando. A<br />

terra prometida, on<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte daquilo<br />

que apren<strong>de</strong>mos a conhecer não vale mais.<br />

On<strong>de</strong> o funcionamento das coisas se dá a<br />

partir <strong>de</strong> novas linhas <strong>de</strong> montagem.<br />

O que ainda vivemos parece, <strong>de</strong> fato, uma<br />

versão tosca e transicional <strong>de</strong> um processo,<br />

ou, como nós acostumamos a chamar, uma<br />

disrupção: a ruptura que ocorre quando<br />

algo novo tenta se impor ao estabelecido e<br />

esse, por sua vez, tenta <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seu pedaço,<br />

em geral a custos extremamente altos. A<br />

aprovação, na semana passada, da Lei Geral<br />

<strong>de</strong> Proteção <strong>de</strong> Dados não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um<br />

símbolo da acomodação do novo ao velho<br />

mundo (no que ele tem <strong>de</strong> melhor, claro),<br />

sob o manto <strong>de</strong> valores centenários como<br />

58 <strong>20</strong> <strong>de</strong> <strong>agosto</strong> <strong>de</strong> <strong>20</strong>18 - jornal propmark<br />

“O que ainda<br />

vivemOs<br />

parece uma<br />

versãO<br />

tOsca e<br />

transiciOnal<br />

dO prOcessO<br />

<strong>de</strong> disrupçãO”<br />

ética e transparência, arrumando a casa e o<br />

caos do qual possivelmente muitos se aproveitaram<br />

enquanto pu<strong>de</strong>ram. Agora não<br />

mais, esperamos.<br />

O barato <strong>de</strong> abraçar o novo é que ele nos<br />

<strong>de</strong>safia a reconhecer que tudo muda, sempre.<br />

Anitya - é um conceito budista milenar<br />

que representa a impermanência, uma verda<strong>de</strong><br />

básica da existência humana. Sem a<br />

qual, aliás, a vida não existiria. A impermanência<br />

traz medo e alento, é um paradoxo.<br />

Mas nos move para a frente, estimula nossos<br />

intelectos, nos torna mais criativos. E<br />

todos sobreviveremos, <strong>de</strong> uma<br />

forma ou <strong>de</strong> outra - vão se os<br />

tijolos, ficam as cabeças, contendo<br />

nossas mentes inquietas,<br />

afinal <strong>de</strong> contas.<br />

Também não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser,<br />

<strong>de</strong> alguma maneira, simbólico<br />

que, enquanto encaramos tantas<br />

novida<strong>de</strong>s, acompanhamos,<br />

preocupados, um dos maiores<br />

grupos <strong>de</strong> comunicação da América<br />

do Sul lutando para estancar<br />

uma sangria causada, segundo<br />

press releases e comunicados, pela “profunda<br />

transformação tecnológica que afetou<br />

fortemente as empresas <strong>de</strong> mídia, no<br />

Brasil e no mundo, com impacto na circulação<br />

<strong>de</strong> revistas e na receita <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>”.<br />

A Abril vive o caos, como todos nós, e busca<br />

o equilíbrio financeiro, pois quer manter vivas<br />

marcas construídas com gran<strong>de</strong> afinco.<br />

É inevitável reconhecer, no entanto, que<br />

nunca mais será a mesma. Anitya.<br />

PS: Dedico este texto a Claudio Weber<br />

Abramo, que faleceu semana passada, jornalista<br />

e filósofo <strong>de</strong>fensor da transparência<br />

e da <strong>de</strong>mocracia, filho <strong>de</strong> Claudio Abramo,<br />

um nome marcante nos meus tempos <strong>de</strong><br />

universitária, que plantou em mim a preciosa<br />

semente do olhar crítico. Abramo foi<br />

um crítico ferrenho, viveu intensamente a<br />

ditadura, bradava que não havia liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> imprensa, e <strong>de</strong>u a muitos <strong>de</strong> nós, jornalistas,<br />

o ímpeto <strong>de</strong> comprar sua briga. E<br />

não é por ela - a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa, <strong>de</strong><br />

expressão, e da transparência - que, tantos<br />

anos <strong>de</strong>pois, continuamos lutando?

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