Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
STORYTELLER<br />
nullplus/iStock<br />
Web tóxica<br />
Hoje a tecnologia permite<br />
i<strong>de</strong>ntificar não só o que você pensa<br />
LuLa Vieira<br />
problema da liberação das drogas, principalmente<br />
a maconha, é assunto que<br />
O<br />
mobiliza a socieda<strong>de</strong>. Nunca se discutiu<br />
tanto as consequências do uso <strong>de</strong> substâncias<br />
capazes <strong>de</strong> alterar o comportamento<br />
humano. Nesse contexto até mesmo o álcool<br />
e sua comercialização, por extensão sua<br />
propaganda, ganham enorme espaço nos<br />
veículos <strong>de</strong> divulgação.<br />
Todo mundo tem sua opinião e se consi<strong>de</strong>ra<br />
capaz <strong>de</strong> emitir conceitos por mais<br />
toscos e menos abalizados que sejam. Esse<br />
fato me dá liberda<strong>de</strong> para levantar uma<br />
tese que consi<strong>de</strong>ro <strong>de</strong> profunda importância.<br />
É sobre a toxida<strong>de</strong> das re<strong>de</strong>s sociais. E<br />
o mal que po<strong>de</strong>m fazer. Tal como qualquer<br />
droga, cujo efeito maléfico varia <strong>de</strong> pessoa<br />
para pessoa, as re<strong>de</strong>s sociais po<strong>de</strong>m<br />
ser altamente prejudiciais, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong><br />
quem <strong>de</strong>las faz uso.<br />
O abuso das re<strong>de</strong>s sociais sem mo<strong>de</strong>ração,<br />
intoxica muito mais do que substâncias<br />
cujos porte ou comercialização trazem<br />
consequências legais. E, no entanto, pessoas<br />
po<strong>de</strong>m fazer uso da internet sem nenhum<br />
receio, fazendo mal para si e para os<br />
outros em proporções muito mais danosas.<br />
Maconha nenhuma po<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir a inteligência<br />
e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> raciocínio com a<br />
mesma celerida<strong>de</strong> do que o vício na internet.<br />
Basta olhar em volta, seja on<strong>de</strong> você<br />
estiver.<br />
Nem mesmo as drogas mais pesadas do<br />
que a (quase) inocente maconha <strong>de</strong>ixam<br />
uma pessoa tão chapada ou capaz <strong>de</strong> acreditar<br />
em tanta idiotice como as re<strong>de</strong>s sociais.<br />
Eu acho que tal como as advertências<br />
obrigatórias nas garrafas <strong>de</strong> bebidas e nos<br />
maços <strong>de</strong> cigarro, as re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong>veriam<br />
alertar os usuários sobre os malefícios do<br />
uso imo<strong>de</strong>rado.<br />
Des<strong>de</strong> a crença na terra plana até opiniões<br />
sobre economia, a internet po<strong>de</strong> ter<br />
consequências bastante maléficas. É uma<br />
terra sem lei e muitas vezes sem responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Todos nós sabemos o que a inteligência<br />
artificial po<strong>de</strong> fazer. Ou melhor<br />
dizendo, alguns <strong>de</strong> nós conseguem ver o<br />
mal que já está se fazendo com o imenso<br />
arsenal <strong>de</strong> ferramentas à disposição.<br />
Não <strong>de</strong>vemos acreditar na falácia <strong>de</strong> que<br />
as re<strong>de</strong>s são uma extensão ampliada da antiga<br />
Ágora, ou brasileiramente pracinha da<br />
matriz. Nesses lugares havia a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> troca <strong>de</strong> opiniões, ainda que eventualmente<br />
manipuladas. Na internet, não.<br />
Hoje a tecnologia permite i<strong>de</strong>ntificar<br />
não só o que você pensa, isso é fácil, mas<br />
também i<strong>de</strong>ntificar a maneira <strong>de</strong> fazer você<br />
mudar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia usando seus hábitos e a extensão<br />
<strong>de</strong> seus afetos e medos. Tudo isso é<br />
muito bom, muito bonito, minha tese levou<br />
você a me ler até aqui.<br />
Mas, na verda<strong>de</strong>, eu ando preocupado<br />
com a opinião que os computadores têm a<br />
meu respeito. Para escrever um livro sobre<br />
Carlos Zéfiro, o autor das revistas eróticas<br />
(eufemismo para “revistinhas <strong>de</strong> sacanagem”)<br />
que embalaram os sonhos da infância<br />
<strong>de</strong> minha época, an<strong>de</strong>i pesquisando esse<br />
tipo <strong>de</strong> publicação na internet.<br />
A re<strong>de</strong> me i<strong>de</strong>ntificou como um consumidor<br />
<strong>de</strong>sse estilo – digamos – <strong>de</strong> literatura.<br />
E passou a me enviar todo tipo <strong>de</strong> ofertas<br />
ligadas ao tema. Não posso abrir meu<br />
computador sem receber anúncios <strong>de</strong> livros,<br />
revistas, filmes, até mesmo máquinas<br />
e objetos da área.<br />
Engraçado que o sistema não me i<strong>de</strong>ntificou<br />
como consumidor do material ao vivo,<br />
tanto que não recebi uma única oferta<br />
oriunda <strong>de</strong> alguma casa <strong>de</strong> prostituição,<br />
sites <strong>de</strong> encontros ou espetáculos pornô.<br />
Mas <strong>de</strong> livros, revistas e equipamentos<br />
tenho sido procurado por centenas <strong>de</strong> fornecedores.<br />
Ofertas das tais revistinhas <strong>de</strong><br />
Zéfiro, <strong>de</strong>zenas.<br />
E ainda coleções do Rio Nu, Ele & Ela,<br />
Playboy, livros e revistas “suecas”. O mais<br />
engraçado <strong>de</strong> tudo é que uma empresa especializada<br />
em produtos eróticos tem em<br />
seu acervo um grosso (epa!) compêndio médico<br />
sobre ginecologia. Fosse eu quem eles<br />
acham que sou, não per<strong>de</strong>ria essa oferta.<br />
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa<br />
e da Approach Comunicação, radialista, escritor,<br />
editor e professor<br />
lulavieira.luvi@gmail.com<br />
28 <strong>19</strong> <strong>de</strong> <strong>agosto</strong> <strong>de</strong> 20<strong>19</strong> - jornal propmark