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VISÃO JUDAICA agosto de 2007 Elul 5767 / Tishrei 5768<br />
Tzvi Freeman *<br />
O Judaísmo é misterioso. Vem<br />
do céu embrulhado para presente<br />
com fitas, cordões e nós, cada qual<br />
se desenrolando para desvelar mais<br />
um mistério, uma quantidade sem-<br />
pre crescente de nós para desatar,<br />
mais cordões para seguir por<br />
uma trilha interminável. E com<br />
cada desenrolar, outra descoberta,<br />
e em cada descoberta, uma<br />
sabedoria mais profunda.<br />
Rosh Hashaná é um desses grandes<br />
mistérios. Como pode ser que o<br />
primeiro dia do ano apareça no primeiro<br />
dia do sétimo mês? Por que<br />
estamos soprando um chifre de carneiro<br />
e por que damos a isso um<br />
papel tão importante? Qual é o dra-<br />
Rosh Hashaná: sem embalagem<br />
Véspera em 12 de setembro e término em 14 de setembro<br />
ma cósmico desse dia, e qual é a<br />
nossa parte nisso tudo?<br />
Mais intrigante é a reticência<br />
da Torá. Fala de maneira crítica,<br />
como se discutindo algo<br />
que devamos saber sem que ninguém<br />
nos diga.<br />
“Será um dia de soar para vós”<br />
– aprendemos. Soar o quê? Isso<br />
não nos é dito. O rei David escreveu<br />
em seus Salmos: “Toque o<br />
shofar na lua nova, no segredo<br />
de nossa festa.” E esta é a única<br />
referência bíblica que temos sobre<br />
nossa tradição de que não<br />
faremos soar nossas vozes, não<br />
uma trombeta, nada exceto um<br />
chifre de carneiro.<br />
Mas então outro versículo nos<br />
diz: “Será um dia de lembrança do<br />
som para vocês.” E disso devemos<br />
entender, não soar qualquer coisa<br />
– apenas para lembrar: nossa tradição<br />
resolve o problema, pois D-us<br />
está pedindo: “Recitem versículos<br />
de soberania perante Mim, para fazer-Me<br />
seu Rei. Recitem versículos<br />
de recordação perante Mim, para<br />
que a memória de vocês chegue a<br />
Mim. E como? Com um shofar”. Oh,<br />
que tradição intrigante.<br />
Como sabemos tudo isso? E<br />
como sabemos que este é o início<br />
do ano – algo não mencionado<br />
em lugar algum dos Cinco<br />
Livros de Moshê?<br />
A verdade é que sempre soubemos.<br />
Soubemos porque quando<br />
Moshê recebeu a Torá, tudo isso<br />
ficou claro para ele também, e ele<br />
transmitiu esta informação, mesmo<br />
que não a tenha anotado. E<br />
mesmo antes de a ouvirmos de<br />
Moshê, sabíamos sobre Rosh<br />
Hashaná. Avraham recebeu os antigos<br />
ensinamentos de Shem, filho<br />
de Nôach. Nôach, por sua vez,<br />
tinha recebido de Metuselach, que<br />
a recebera de Enoch. E Enoch certamente<br />
conhecia Rosh Hashaná,<br />
pois ele recebera sua sabedoria diretamente<br />
de Adam, que tinha sido<br />
formado naquele dia.<br />
Rosh Hashaná, então, não é apenas<br />
um feriado judaico. Rosh Hashaná<br />
é o aniversário da humanidade.<br />
Fecha-se um mistério e abre-se<br />
outro. Procure no livro das preces dos<br />
Grandes Dias Festivos e não encontrará<br />
qualquer menção ao nascimento<br />
de Adam. O que você encontrará é a<br />
declaração: “Hoje é o aniversário do<br />
mundo.” Encontrará também uma frase<br />
enigmática repetida diversas vezes:<br />
“Este dia é o início de suas obras,<br />
uma recordação do primeiro dia”.<br />
Isso sugere um pensamento fascinante;<br />
de fato, algo que o cientista<br />
moderno poderia adotar: talvez o cosmos<br />
tenha nascido apenas quando<br />
Adam abriu os olhos para observar e<br />
nomear cada coisa? Afinal, os físicos<br />
quânticos e cosmologistas de hoje não<br />
nos dizem que não podem existir eventos,<br />
no universo, sem um observador?<br />
O universo começa, então, com<br />
a criação da primeira consciência<br />
humana: “E Ele soprou em suas narinas<br />
o sopro da vida e Adam tornou-se<br />
um ser vivo.”<br />
Fascinante, mas não totalmente<br />
satisfatório. Porque, na verdade, o Livro<br />
de Bereshit relata que Adam foi<br />
formado no sexto dia da Criação. Havia<br />
um mundo antes. Certo, um mundo<br />
muito diferente daquele que conhecemos,<br />
no qual matéria, energia, tempo<br />
e espaço foram criados e tomaram<br />
forma, no qual os eventos ocorreram<br />
em rápida sucessão, e o simples evoluiu<br />
para o complexo em questão de<br />
momentos. Mas mesmo assim era um<br />
mundo. Por que então, eis a clássica<br />
questão, comemoramos Rosh Hashaná<br />
no aniversário de Adam e não seis dias<br />
antes, no aniversário do mundo?<br />
E a clássica resposta é: porque<br />
não estamos celebrando um aniversário;<br />
“Hoje é o aniversário do mundo”<br />
significa hoje, agora. Hoje o<br />
mundo nasceu de novo. Este dia é<br />
“o início de tuas obras”, remanes-<br />
cente da primeira vez que o mundo<br />
foi feito. Somente que na primeira<br />
vez em que o mundo nasceu, era um<br />
presente. Desde então, ele depende<br />
de nós, de Adam. E assim, ele ocorre<br />
em nosso aniversário, Rosh Hashaná.<br />
Somos renascidos, e dentro de<br />
nós, todo o cosmos.<br />
O cosmos inteiro depende de um<br />
apoio. Como os pontos fosforescentes<br />
que formam caracteres numa tela,<br />
como uma imagem holográfica que<br />
parece viva – desligue o plug e tudo<br />
aquilo some sem deixar vestígios. Se<br />
D-us puxasse o plug de Sua criação<br />
(D-us não o permita), o próprio espaço<br />
desapareceria. Até o tempo seria<br />
anulado – o mundo jamais teria existido,<br />
sua história seria apagada. Nada,<br />
zero – somente uma lembrança.<br />
Não há uma partícula do universo<br />
que sustente a si mesma. A cada momento,<br />
o universo e tudo que existe<br />
dentro dele pulsa com a energia vital<br />
que o faz existir. Nosso planeta é um<br />
relógio por cujo ritmo ele pulsa – um<br />
ciclo de momentos e dias, de meses e<br />
anos. A cada momento, emerge a vida<br />
que é necessária para aquele momento,<br />
é absorvida e então retorna à sua<br />
fonte. A cada dia, a energia para aquele<br />
dia, a cada mês para aquele mês. Este<br />
é o nome para mês em hebraico: chôdesh,<br />
que significa renovação.<br />
Porém a renovação mais importante<br />
na vida é aquela que ocorre em<br />
Rosh Hashaná. Porque é quando toda<br />
a vida do ano anterior retorna à sua<br />
fonte essencial e uma nova vida,<br />
como jamais foi conhecida antes,<br />
emerge do vácuo para sustentar a<br />
existência pelo ano inteiro.<br />
A qualidade deste novo ímpeto de<br />
força determinará tudo; como escreve<br />
o poeta do Machzor: “…quem morrerá<br />
e quem viverá”. Alguns anos são repletos<br />
de fartura, outros trazem bênçãos<br />
mais sutis, mais ocultas. Alguns são<br />
anos de alegria, outros, de desafio.<br />
Nas 48 horas de Rosh Hashaná,<br />
e família