Comentários sobre o conto - Geia Plural

saindo como gente da família, às vezes até mesmo dividindo
com eles a comida na mesma panela, que a terra era generosa
e sem fronteiras, e todos eram igualmente filhos da
Mãe Natureza. As roças não tinham cerca, as criações não
tinham chiqueiro, o gado não tinha curral, e ninguém tinha
peias. Ninguém iria perturbá-los jamais. Além dos sete
morros que os rodeavam e que por eles montavam sentinela,
tinham mais adiante os lombos largos da Serra dos
Carajás. Para que melhor esconderijo?
Só de vez em quando é que um representante deles, conhecido
como Chico Venâncio, era destacado para ir comprar
alguma fazenda ou vender cereais no povoado mais
próximo, que ficava muitos dias de viagem na esteira do rio.
Mas o diabo, que inventa tudo, inventou também o transístor,
o rádio e o helicóptero. Muito devagar, mas com irrefreável
curiosidade, os negros do Vale da Boa Esperança
foram tomando conhecimento do mundo, uns dando opiniões,
outros invejando o progresso, entusiasmados, firmando
posições, embora os mais velhos permanecessem
sempre absolutamente contra, atentos ao peso de palavras
antigas que com dificuldade ainda podiam reunir na memória.
Em todo caso, o aberto do mundo e suas novidades eram
sempre um convite tentador. O próprio Chico Venâncio recorda
a primeira vez que viu a televisão. Nunca pôde explicar
para si mesmo o que se passava com aquela caixa com
um homem falando e se mexendo, e o que conseguiu dizer
foi só isso:
– Quando der-se fé, o calunga vai querer soltar-se de lá
de dentro pra vir puxar cavaco com a gente no meio do terreiro.
Mas, quando uma vez levou a sua velha Bárbara numa
das descidas pelo rio e viu que ela, sentada, puxava a barra
do vestido porque o homem da televisão não parava de olhar
entre as pernas dela, deu-se conta de que havia feito uma
besteira descomunal e tratou de emendar-se a tempo. E
daí a sua reprovação imediata e a irreconciliação com Preto
Balbino, antes um dos mais chegados dos seus amigos e
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