Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Tarcísio Padilha<br />
nhecimento e até do domínio do mundo natural. Longe <strong>de</strong> a razão abarcar a<br />
iluminada riqueza <strong>de</strong> quanto lhe é apresentado como <strong>de</strong>safio ao seu conhecer.<br />
Hoje, mais do que ontem, os números parecem conferir a quem os utiliza a capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar os limites do conhecimento possível, ou, pelo menos, intentam<br />
assim iludir-nos. Mas o real se esvai nas frestas das estatísticas petulantes.<br />
Daí por que cumpre respeitar a complexida<strong>de</strong> do real. A razão paga pesado<br />
tributo ao ampliar suas fronteiras com a <strong>de</strong>sintegração do estuário <strong>de</strong> suas especificida<strong>de</strong>s.<br />
O acelerado <strong>de</strong>senvolvimento do conhecimento humano ao longo do século<br />
XX e a sinalização <strong>de</strong> que se acentua a tendência a evolver ainda mais rapidamente<br />
neste novo século geram questionamentos mais complexos a atingir o<br />
cerne do próprio ser humano e suas faculda<strong>de</strong>s: o que se aplica à socieda<strong>de</strong> e às<br />
suas instituições. No estuário da socieda<strong>de</strong>, suas instituições e os movimentos<br />
espontâneos brotam mais e mais e tornam quase obsoletos os mecanismos<br />
clássicos <strong>de</strong> gestão da coisa pública e seus reflexos na frágil e diversificada estrutura<br />
havida como comunitária.<br />
A razão exerce a soberania na vida humana. Pelo menos, como tal ela é apresentada<br />
ao longo da história das civilizações e das culturas. Não lhe atribuem<br />
uma singularida<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> nos levar ao olvido <strong>de</strong> outras dimensões da existência.<br />
É certo, contudo, o reconhecimento freqüente <strong>de</strong> seu primado.<br />
A questão se nos afigura relevante, pois <strong>de</strong>la pen<strong>de</strong> o compromisso com a<br />
atuação <strong>de</strong> homens e instituições. O rationale penetra em todas as esferas e majoritariamente<br />
preten<strong>de</strong> ditar as cartas mesmo quando o lusco-fusco, as neblinas<br />
da alma ou da realida<strong>de</strong> moldam o horizonte <strong>de</strong> nossas intelecções.<br />
É imperioso discernir a razão teórica da prática, a inteligência ut sic da razão.<br />
No primeiro caso, ce<strong>de</strong>mos aos rogos da especulação pura, hoje menos vigente<br />
do que outrora, ou preferimos infletirmo-nos na ação da qual, segundo Goethe,<br />
tudo parece principiar. Inteligência fala <strong>de</strong> uma perspectiva mais abrangente<br />
do que a configurada pela razão. Esta se ajusta mais à exatidão, aquela concerne<br />
à amplitu<strong>de</strong> da visão. Até porque engloba em seu bojo a intuição, ou a intelecção<br />
como forma <strong>de</strong> profunda penetração no ser ainda que, por vezes, não<br />
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