Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Hannah Arendt: Da filosofia política à ciência política<br />
serviços à cida<strong>de</strong> [pólis], seja impedido <strong>de</strong> fazê-lo pela obscurida<strong>de</strong> da sua condição”.<br />
Desta forma <strong>de</strong> governo, conclui Péricles através <strong>de</strong> Tucídi<strong>de</strong>s, “seu<br />
nome, como tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> não <strong>de</strong> poucos, porém da maioria, é <strong>de</strong>mocracia”.<br />
Os romanos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época republicana, faziam vir da palavra “civitas”, cida<strong>de</strong>,<br />
“pólis” grega, não só cidadania política, quanto até civilização oriunda <strong>de</strong> civilida<strong>de</strong>,<br />
o cívico universalizado pelos costumes e as leis. Sua possível <strong>de</strong>scoincidência<br />
levava Savigny a <strong>de</strong>srecomendar a fixação dos costumes jurispru<strong>de</strong>nciais<br />
em leis escritas, diante <strong>de</strong> Thibaut preten<strong>de</strong>ndo que a fixação em lei renova<br />
a própria jurisprudência, ao reensejá-la. Ainda hoje repercute esta polêmica<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando, em meados do século XIX, foi proposta na Alemanha sua primeira<br />
codificação, enquanto permanece o direito consuetudinário predominante<br />
nos países anglófonos.<br />
Aristóteles na Política insistia, após Péricles, que “a socieda<strong>de</strong> civil é, pois,<br />
menos uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida comum do que uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> honra e virtu<strong>de</strong>”.<br />
Estas <strong>de</strong>veriam precondicionar aquela. Entre as virtu<strong>de</strong>s, geradoras <strong>de</strong><br />
honra, <strong>de</strong>stacam-se civicamente, como projeções das virtu<strong>de</strong>s pessoais, em primeiro<br />
lugar a coragem da virtu<strong>de</strong>, porém com prudência. Hannah Arendt insistirá<br />
muito em ambos sentidos, mais um dos seus acompanhamentos a Aristóteles.<br />
Ela está muito mais perto <strong>de</strong>ste do que <strong>de</strong> Platão.<br />
Hannah Arendt aponta no <strong>de</strong>sgosto <strong>de</strong> Platão, ao ver a con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Sócrates<br />
pela “pólis” ateniense, o ponto <strong>de</strong> partida íntimo da sua <strong>de</strong>sconfiança perante<br />
a regra majoritária da <strong>de</strong>mocracia; daí a platônica opção pelo reifilósofo,<br />
com po<strong>de</strong>res acima da “pólis” numa espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>spotismo esclarecido,<br />
levando Platão às colaborações com a tirania em Siracusa. Rei-filósofo supostamente<br />
mais sensível aos juízos dos <strong>de</strong>mais filósofos, influenciando-os<br />
nas seguintes gerações: “a tendência ao tirânico po<strong>de</strong> se constatar nas teorias<br />
<strong>de</strong> quase todos os gran<strong>de</strong>s pensadores (Kant é a gran<strong>de</strong> exceção)”. Platão e seus<br />
her<strong>de</strong>iros nisto se opõem ao discurso <strong>de</strong> Péricles, apesar das lições extraídas<br />
por Tucídi<strong>de</strong>s das suas contemporâneas guerras do Peloponeso, comprovando<br />
o melhor governo na medida <strong>de</strong> sua consonância com a opinião (“doxa”)<br />
dos cidadãos, fonte maior <strong>de</strong> coesão social, quando coerente e construtora co-<br />
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