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Escritoras Mineiras: Poesia, Ficção e Memória - FALE - UFMG

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a criatividade como uma fonte geradora de mudanças sociais”. Para ela, a<br />

narrativa foi escrita de dentro para fora e apresenta a mesma poesia “lúcida<br />

e insone” da autora. O livro é repleto de significados embutidos que, nas<br />

entrelinhas, revelam a constante busca das personagens e o questionamento<br />

que fazem do mundo ao seu redor. A professora ainda compara Conceição<br />

Evaristo a Clarice Lispector e Guimarães Rosa no que tange à linguagem<br />

poética na prosa e ao tratamento afetivo e terno das personagens.<br />

Becos da memória, o segundo romance da autora, é uma narrativa<br />

descontínua que trata da realidade das várias personagens encontradas<br />

nos becos das periferias do país. A favela, para a autora, é a representação<br />

da senzala contemporânea, sinônimo de exploração, sofrimento,<br />

luta e resistência. O espaço não tem nome e nem local definido, aspecto<br />

que promove uma ampliação da representatividade da realidade de um<br />

coletivo que tem sua memória galgada nos tempos da escravidão. Eduardo<br />

de Assis Duarte e Elisangela Lopes afirmam que a obra “descarta a<br />

violência gratuita que marca muitas vezes a representação dos excluídos<br />

em nossas letras. Mais que isto, busca narrar suas raízes.” 4<br />

Maria Nazareth Soares Fonseca, no prefácio do romance, explica<br />

que as vozes marginalizadas reproduzidas denunciam uma sociedade<br />

que se constitui a partir do silenciamento da experiência de pessoas que<br />

ocupam os lugares periféricos porque são “empurradas” para as margens.<br />

O reprimido emerge nessa narrativa para compor a sua própria história. O<br />

romance recupera as experiências de pessoas expostas ao sofrimento e à<br />

pobreza, mas que, apesar disso, desejam continuar a viver. A escrita de<br />

Conceição Evaristo torna o espaço da favela mais humano e a narrativa<br />

emerge das vivências do cotidiano de pessoas comuns. Na concepção da<br />

crítica, o livro expõe as “memórias subalternas” que recuperam cenas da<br />

vida cheias de amor, afeto e compaixão. O livro evidencia a convivência<br />

harmoniosa que a pobreza não consegue destruir, e, para Fonseca, essa<br />

talvez seja a maior lição que as memórias desses becos queiram transmitir.<br />

Em sua mais recente publicação, Poemas da recordação e outros<br />

movimentos, encontramos a tônica da literatura de Evaristo: a escrevivência,<br />

em versos que, líricos e brutos, tristes e esperançosos, envolvem o<br />

leitor como uma melodia. Íris Amâncio, no prefácio da obra, comenta que<br />

4 DUARTE; LOPES. Conceição Evaristo.<br />

a poeta convida o leitor a mergulhar em profundas águas lembranças,<br />

espelho hídrico do qual emergem imagens e vozes femininas a<br />

revelar uma tessitura poética inscrita ancestralidade, “nova velha<br />

seiva” que “borda os tempos do viver”.<br />

Um dos poemas que inaugura a antologia é “Vozes-mulheres”, já em<br />

consonância com as palavras de Amâncio. O poema junta as vozes da bisavó,<br />

ecoada do navio negreiro, da avó e da mãe, que ecoaram das cozinhas e<br />

das trouxas de roupas sujas dos brancos, da própria autora, perplexa com<br />

tanta injustiça, e da filha, que ressoa a feminilidade e resistência das negras<br />

mulheres brasileiras. O poema que encerra a antologia é a tradução para o<br />

conceito de escrevivência criado pelo autora ao falar dos seus textos. Em<br />

“Da calma e do silêncio”, a autora demonstra o impacto da poesia em sua<br />

vida, a necessidade defazer uma viagem íntima para entender sua própria<br />

história, como se a poesia pudesse lhe proporcionar tal imersão.<br />

Quando eu morder<br />

a palavra,<br />

por favor,<br />

não me apressem,<br />

quero mascar,<br />

rasgar entre os dentes,<br />

a pele, os ossos, o tutano<br />

do verbo,<br />

para assim versejar<br />

o âmago das coisas.<br />

[...]<br />

Deixem-me quedar,<br />

deixem-me quieta,<br />

na aparente inércia.<br />

Nem todo viandante<br />

anda estradas,<br />

há mundos submersos,<br />

que só o silêncio<br />

da poesia penetra. 5<br />

O desejo de mergulhar no âmago das coisas para sentir o silêncio<br />

da estrada e compreender o lirismo da vida para só depois continuar a<br />

caminhada é o reflexo de suas letras, profundamente sábias, esperançosas<br />

e femininas. Como a mulher que se descobre grávida e se queda sonhando<br />

com a vida que ela é capaz de gerar, retendo dentro de si o gozo de poder<br />

5 EVARISTO. Poemas da recordação e outros movimentos, p. 70-71.<br />

114 Estilo, poética e vida Conceição Evaristo: literatura e vida 115

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