Escritoras Mineiras: Poesia, Ficção e Memória - FALE - UFMG
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que acometeu a escritora e de seu isolamento para se tratar, e, embora<br />
traga marcas circunstanciais desse período de sua vida, reúne “poemas de<br />
uma meditação, de uma força, de um estranhamento, de uma realidade<br />
[...] da realidade profunda da poesia dela.” 2 Sobre Carta a um cortador<br />
de linho, único livro em prosa da autora, cabe ressaltar que se trata de<br />
uma prosa poética que, segundo Alexandre Eulalio, “fascina pela justeza<br />
do tom” e pelas características próprias. 3 Sua obra foi reunida em Poemas<br />
pelo Departamento de Imprensa Nacional, em 1962; pela Fontana/INL/MEC,<br />
em 1980 e pela Unicamp, em 1993.<br />
Além de sua ligação com a poesia, dedicou-se ao trabalho de assistente<br />
social, prestando serviços para o Serviço Social da Indústria (SESI) e<br />
para o Serviço Nacional do Comércio (SENAC). Nas duas trajetórias buscou<br />
estabelecer uma rede de contatos em que figuram nomes importantes do<br />
cenário intelectual brasileiro e também estrangeiro. Dentre eles estão: os<br />
escritores Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Bueno de Rivera<br />
e Celina Ferreira; o sociólogo Josué de Castro, autor de Geografia da fome,<br />
nome importante no combate às desigualdades sociais; o padre Lebret,<br />
principal nome do movimento Économie et Humanisme, reconhecido pela<br />
história de luta e engajamento em questões sociais; a discípula de Rilke,<br />
Lou Albert-Lasard, com a qual manteve correspondência, entre outros.<br />
Com Carlos Drummond de Andrade se uniu por meio da literatura e<br />
do interesse pelo social. Segundo depoimento da família da escritora, ela<br />
teria levado Drummond a favelas da capital mineira. Tal fato é recordado<br />
pelo poeta em um texto publicado na ocasião da morte da escritora: “Certa<br />
vez me fizeste subir a uma colina; no alto, um homem falava desta vida;<br />
escutei-o sem convicção, toda minha escuta se concentrava em ti, no teu<br />
desejo de distribuir a paz, e que por um instante a criava.” 4<br />
A admiração de Drummond por Maria Ângela Alvim vai além de<br />
sua atuação profissional na assistência social e foi conquistada também<br />
via poesia. Na recepção calorosa do poeta, a escritora será elogiada<br />
pela concisão vocabular, pela habilidade em realizar o verso curto e<br />
por “manter-se fiel a si mesma, só produzindo aquilo que seu espírito<br />
amadureceu profundamente e depurou dos resíduos emocionais ou<br />
2 SANTOS. A poesia de Maria Ângela Alvim, p. 90.<br />
3 EULALIO. Um estudo, p. 147.<br />
4 SANTOS. A poesia de Maria Ângela Alvim, p. 144.<br />
intelectuais deixados pela vida”. 5 Certamente tal acolhida foi importante<br />
para a escritora, que teve poemas traduzidos para o francês e sua obra<br />
publicada também em Portugal. Sobre seu livro de estreia, Superfície,<br />
Drummond escreveu:<br />
este livro acusa uma presença nova e marcante entre os poetas<br />
que surgem, e a qualidade especial de uma natureza poética<br />
extremamente fina, que sabe selecionar os aspectos da realidade<br />
interior e nos oferecer, com sóbria dicção, o resultado último de<br />
sua experiência lírica. Prevemos-lhe um belo futuro. 6<br />
O “belo futuro” previsto pelo poeta em 1951 será oito anos mais<br />
tarde interrompido pelo precoce falecimento da escritora. Aos 33 anos<br />
de idade, sofrendo de uma doença nervosa, a poeta, em cujos versos já<br />
protagonizava a morte, dá fim aos seus dias, no Rio de Janeiro, cidade<br />
em que viveu parte de sua vida. São de Drummond as boas vindas para a<br />
jovem poeta, serão também dele as palavras de despedida em “Passagem”,<br />
que publica por ocasião de sua morte:<br />
68 <strong>Ficção</strong> e poesia Maria Ângela Alvim: a poética da inquietude 69<br />
Amiga:<br />
Era manhã cedo quando perguntei por ti; uma voz desconhecida<br />
respondeu que pela madrugada, silenciosamente, te haviam levado<br />
[...] As palavras que juntaste com ritmo próprio traziam esta<br />
indicação: Superfície. Discrição de raiz, despistamento angélico.<br />
Vinham de uma camada em que tudo é essencial e não necessita<br />
de palavras [...] Foste mais além. Perdida em ti mesma, começaste<br />
a vagar numa região a que não sabemos chegar ainda, a que não<br />
corresponde expressão. Habitavas a ausência, país de espelhos<br />
que não refletem os rostos, nem mesmo os mais belos, como era o<br />
teu. Ganharas a invisibilidade, dentro da aparência física [...] Agora<br />
nunca mais estarás fora do mundo, ou nele oculta. Agora sei que teu<br />
nome era Busca e Passagem; há criaturas nascidas para buscar e<br />
passar, encerrando uma promessa contínua, rosa aberta no nada. 7<br />
5 ALVIM. Poemas, p. 139.<br />
6 “Noticias literárias” foi publicado anteriormente no Suplemento Literário do Minas Gerais, em 8 de abril<br />
de 1951. Ver: ALVIM. Poemas, p. 139-142.<br />
7 “Passagem” foi originalmente publicado no Correio da Manhã, em outubro de 1959. Ver: ALVIM.<br />
Superfície, p. 11-12.