Escritoras Mineiras: Poesia, Ficção e Memória - FALE - UFMG
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As palavras de Drummond reafirmam seu carinho e sua admiração<br />
pela poeta e apontam simultaneamente alguns caminhos nos quais se<br />
entrecruzam sua vida e seus versos.<br />
Com Maria Ângela Alvim parece ter ocorrido um fenômeno comum<br />
na história de algumas mulheres escritoras que, em sua estreia no cenário<br />
das letras, gozam de certo reconhecimento e logo são esquecidas. E décadas<br />
depois reaparecem por meio de seus escritos. No caso da poeta, tal<br />
resgate se deu em parte pela reedição de sua obra e por sua presença em<br />
antologias como Roteiro da poesia brasileira: anos 50, de André Seffrin, que<br />
a considera um nome de importante representação na poesia da década<br />
de 1950 no Brasil, ou ainda Os cem melhores poemas brasileiros do século,<br />
de Ítalo Moriconi, que inclui um de seus poemas entre os cem melhores<br />
da poesia brasileira do século 20. 8 Outros críticos também perceberam a<br />
importância da escritora na produção literária brasileira, como Alexandre<br />
Eulalio, Max de Carvalho e Luciana Stegagno-Picchio, que vislumbrou ser<br />
Maria Ângela Alvim um dos poetas “que poderão, talvez um dia, inserir-se<br />
nas malhas do discurso proposto com tamanha autoridade para alterar-lhe<br />
a estrutura”, 9 além do poeta português Herberto Helder.<br />
Embora se observe sob diferentes aspectos uma espécie de resgate<br />
de Maria Ângela Alvim nos nomes aqui lembrados, sua poesia ainda permanece<br />
pouco conhecida e pouco estudada, como bem observa Antonio<br />
Luceni dos Santos, em A poesia de Maria Ângela Alvim: nas fronteiras do<br />
cânone, dissertação defendida na Universidade Federal do Mato Grosso<br />
do Sul, em 2008. Neste trabalho, o autor reúne textos publicados sobre<br />
a autora e traz informações importantes sobre sua vida e obra, como<br />
sua religiosidade e devoção à Santa Tereza d’Ávila, sua admiração por<br />
Rilke, seu “convívio” literário com Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro,<br />
Augusto dos Anjos e Jorge de Lima.<br />
Sobre sua obra pode-se afirmar que, com temática variada, traz<br />
reflexões acerca da vida, da morte e da poesia. Temas como a finitude da<br />
matéria, o estranhamento da vida, a angústia, a solidão e a loucura também<br />
são frequentes em seus poemas. A morte, presença mais constante em<br />
seus versos, figura em metáforas como noite, sombra, mar, raiz, rosa e se<br />
8 Trata-se do poema publicado em Superfície toda poesia: “Há uma rosa caída/ morta/ Há uma rosa<br />
caída/ Bela/ Há uma rosa caída/ Rosa”.<br />
9 STEGAGNO-PICCHIO citada por SANTOS. A poesia de Maria Ângela Alvim, p. 2.<br />
apresenta desde o livro de estreia. Envolta em mistério ou sob a promessa de<br />
revelação, “Só a morte compreende”, esta se configura como algo inevitável:<br />
Mais fiel que a sombra é a morte.<br />
Aquela que não queres ser vem e se perde.<br />
E tu gritas: – Vida!<br />
Mais fiel que a sombra é a morte. 10<br />
A morte para a poeta está na própria vida, na espera, no tempo<br />
vivido, e talvez por isso é que em versos de Poemas de agosto, escritos<br />
em um momento difícil de sua vida, o eu lírico se mostre em uma espécie<br />
de entre-lugar, situado temporalmente entre duas mortes, a do passado<br />
vivido e a do futuro certo:<br />
Estar assim me acrescenta<br />
dupla, estática, vencida,<br />
uma vida, entre duas mortes<br />
a meu lado eternizadas. 11<br />
Vida e obra se entrelaçam e a voz que ecoa nos versos de Maria<br />
Ângela Alvim se faz ouvir por gemidos. Não há gritos de dor, mas um<br />
sussurrar melancólico movido pela incompatibilidade com o mundo: “Não<br />
reconheço meu mundo”, afirma o verso conclusivo do poema. Incompatibilidade<br />
que se faz ouvir em outros momentos de sua poética, como nos<br />
versos de “Carta a Maria Cléa”, incluídos em Outros poemas:<br />
10 ALVIM. Poemas, p. 23.<br />
11 ALVIM. Poemas, p. 23.<br />
Embora faça sol, a dor oprime a altura.<br />
Converso com você, mas sei que é conjetura.<br />
E sendo aqui montanha, verdade aprofundo:<br />
Por quê? Por que nos nutrimos deste mundo?<br />
Deste mundo, exílio, – porta de nossas perdas<br />
Onde o tempo nos soma pelas horas esquerdas.<br />
Não sabemos talvez, ou em saber não bastamos<br />
que o mundo é sedento e o desalteramos.<br />
Secam rios de pranto onde a sede se apura<br />
e deságua o labirinto de uma carne obscura.<br />
É preciso nos nutrirmos deste mundo, – quantos<br />
70 <strong>Ficção</strong> e poesia Maria Ângela Alvim: a poética da inquietude 71