Escritoras Mineiras: Poesia, Ficção e Memória - FALE - UFMG
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A identidade do pensamento europeu influenciou os meus estudos<br />
pertinentes às origens históricas, quando se caracterizaram debates<br />
ferrenhos sobre os problemas étnicos da Europa Central. Problemas<br />
que continuaram a existir, chegando ao apogeu com os tempos caóticos<br />
das I e II Guerras Mundiais e que continuaram a repercutir na formação<br />
das organizações temporais, levantadas pelas tendências nacionalistas<br />
extremas, nunca inteiramente isoladas, mas sim, situadas em várias<br />
partes do mundo.<br />
Sinto-me forçada a traçar um paralelo com os atuais conflitos políticos<br />
no reflexo das ideias que conviviam comigo há muito tempo e a<br />
sabedoria contemplativa persistente nas minhas escritas. O que não significa<br />
que me desliguei da objetividade dos historiadores passados, mas<br />
que assumi uma visão diferente da realidade objetiva.<br />
Motivada pelo assunto, me fechei na Biblioteca de Bellagio, em<br />
1977, feliz com o convite da Fundação Rockefeller por poder desenvolver o<br />
aspecto histórico, filosófico e humano do tema e ao mesmo tempo sentir a<br />
necessidade de passar esse conhecimento à posteridade, como um legado,<br />
uma continuação das múltiplas obrigações da minha vida.<br />
Nesse ponto entra a consideração inevitável, que é válida para mim,<br />
de que a literatura nos envolve por inteiro na nossa condição humana, pois<br />
eu saí muito jovem de uma casa onde os livros dominavam as estantes<br />
das salas. Seu dono, meu avô, era membro da Academia de Ciências e<br />
Letras da Hungria.<br />
Cheguei ao Brasil, com a minha família, num belo domingo de Páscoa<br />
de 1948, com as anotações inspiradas por meu avô. Entre estes dois<br />
fatos, o da saída e o da chegada, as águas do Danúbio rolavam com os<br />
nossos destinos e os céus me ajudaram a conhecer os infinitos segredos<br />
dos mares e as coloridas paisagens tropicais.<br />
Como testemunha ocular eu senti a necessidade de publicar o<br />
Ancoradouro, de investigar do meu ponto de vista as origens dos problemas<br />
da Europa Central, os tempos dramáticos da Segunda Grande<br />
Guerra, da qual fui vítima, a situação dos povos minoritários que foram<br />
causas e origens de vários fenômenos perturbadores.<br />
A Primeira Guerra Mundial estourou com o assassinato de Franz<br />
Ferdinand, principal herdeiro da Coroa áustro-húngara. Formaram-se – e<br />
mais tarde, na Hungria também, durante as ocupações dos alemães e dos<br />
russos – estados dentro de estados, vivendo em dois tempos nas suas<br />
dualidades: por um lado, as suas culturas com seus genéticos mistérios, e<br />
por outro, sob pressão dos governos dominantes, uma existência de “fachada”.<br />
Suas propriedades espirituais possuíam o inconveniente fato de serem<br />
facilmente transportadas de uma geração a outra. Assim se misturaram a<br />
realidade interna e a externa e os efeitos de desencontros precederam as<br />
causas, como se o futuro precedesse o presente ou o presente, o passado.<br />
Uma pessoa de fora não poderia se identificar com as informações<br />
sobre as divergências, porque a aspereza da comunicação encobria a<br />
idealização do interesse comum do povo no nível ideológico. Portanto, o<br />
esquema escolhido pelas grandes potências fracassou, como o Tratado de<br />
Versailles. Em vista disso, os habitantes da Europa Central perderam suas<br />
casas e seus pertences, várias vezes, no decorrer dos séculos.<br />
Alguns conceitos analíticos não foram publicados no Ancoradouro,<br />
como a influência do Tempo e sua relação sobre nós, pois durante a fase<br />
da escrita do livro, que ficou com cerca de mil páginas, ele sofreu alguns<br />
cortes, para não comprometer a vida da minha amiga Valéria, que vivia<br />
ainda na Hungria sob ocupação russa e lutava pela liberdade da pátria. As<br />
suas cartas não publicadas evidenciavam a interpretação dos movimentos<br />
agitados dos povos não se mostrando sensíveis em frear os tremores<br />
das consequências dramáticas das guerras. As grandes potências não se<br />
justificavam ao criar mudanças no exercício das ocupações territoriais<br />
nos países já enfraquecidos pelas constantes guerras e pelo confisco de<br />
bens materiais e de servidões humanas.<br />
Eu recorri aos filósofos na análise daquela época extremamente<br />
perturbadora pela corrupção do espírito. Aristóteles considerava situações<br />
parecidas (a História sempre se repete) nas quais “os movimentos são<br />
observados segundo a razão”. Isto significa também que o transcorrer do<br />
tempo frente à noção de movimento explica transformações direcionadas<br />
pelo intelecto. Assim, as mudanças quase sempre resultaram em migrações<br />
dos povos ao deter arbitrariedades que os cercavam. Estas migrações<br />
seguiam e seguem a linha base de leste a oeste e, pela previsão europeia,<br />
extrapolando, chegar-se-ia um dia à invasão da Europa pela China. Mas<br />
em tais visões simplistas a probabilidade de acontecerem estes fatos é<br />
20 Depoimentos A estrutura espiritual-psíquica do Ancoradouro 21