Escritoras Mineiras: Poesia, Ficção e Memória - FALE - UFMG
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certos questionamentos acerca de política e religiosidade, prenúncio de um<br />
romantismo que não tardaria. Convém ressaltar, entretanto, uma intenção<br />
pedagógica que perpassa quase toda a sua obra: a de incentivar as mulheres<br />
a ler e escrever, atribuindo a essas práticas um caráter formador e, de certa<br />
forma, salvador, pois que símbolo de uma conquista que levaria à ascensão<br />
intelectual e, consequentemente, social das mulheres. Assim, a escrita de<br />
Beatriz parece integrar uma rede silenciosa composta por escritoras de<br />
diversas partes do Brasil oitocentista, em cujos textos percebem-se os<br />
mesmos desejos, as mesmas insatisfações, a mesma sede de liberdade e<br />
igualdade, sentimentos para os quais a literatura se afigura, deslumbrante,<br />
como caminho único, como salvação. Como afirma Lucia Castello Branco:<br />
Alguma coisa me dizia (e ainda me diz) que umas tantas poetas<br />
brasileiras de que nunca ouvimos falar mantiveram, ao longo de<br />
suas vidas obscuras, um diálogo de surdas, repetindo, incessantemente,<br />
as mesmas indagações, os mesmos desejos reprimidos<br />
ou incontroláveis, a mesma batida sufocada ou desenfreada – mas<br />
sempre insaciável – dos corações. 2<br />
Embora aos olhos da atualidade pareça que Beatriz e suas companheiras,<br />
ao abraçarem o projeto de educação feminina apregoado pelos<br />
patriarcas, acabaram corroborando a ideia de que as mulheres eram<br />
inferiores, naquele contexto, a única possibilidade de ascensão intelectual<br />
feminina era aquela, por isso era defendida com afinco por elas,<br />
que vislumbravam, naquelas práticas, um caminho de igualdade social e<br />
intelectual pela frente.<br />
Referências<br />
CASTELLO BRANCO, Lucia. As incuráveis feridas da natureza feminina. In: CASTELLO BRANCO, Lucia;<br />
BRANDÃO, Ruth Silviano. A mulher escrita. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.<br />
O MENTOR DAS BRASILEIRAS. São João Del Rey, Typografia Astro de Minas, n. 15, p. 118, 12 mar. 1830.<br />
2 CASTELLO BRANCO. As incuráveis feridas da natureza feminina, p. 97.<br />
86 Tradição e contemporaneidade<br />
Cada tridente em seu lugar: personagens<br />
afrodescendentes na obra de Cidinha da Silva<br />
Luana Diana dos Santos<br />
Querem que a gente saiba<br />
que eles foram senhores<br />
e nós fomos escravos.<br />
Por isso te repito:<br />
eles foram senhores<br />
e nós fomos escravos.<br />
Eu disse fomos<br />
Oliveira Silveira<br />
Cidinha da Silva é mineira de Belo Horizonte e graduada em História pela<br />
Universidade Federal de Minas Gerais. Após uma trajetória consolidada<br />
em 16 anos de atividades de formação nas temáticas racial, de gênero e<br />
culturas juvenis, a escritora desponta como um nome importante no cenário<br />
literário brasileiro. Os anos de ativismo e engajamento político trouxeram<br />
particularidades a sua obra. Ainda que tenha receios quanto ao termo<br />
literatura afrodescendente, por acreditar que este a rotule e aprisione,<br />
sua obra nos permite incluí-la no rol de escritores que tratam dos conflitos<br />
vividos pelos negros no Brasil, assim como Conceição Evaristo, Edimilson<br />
de Pereira Almeida, Ricardo Aleixo, dentre outros. Conforme Eduardo de<br />
Assis Duarte, temos na obra de Cidinha da Silva uma literatura<br />
voltada para a construção de uma imagem do povo negro infensa<br />
aos estereótipos e empenhada em não deixar esquecer o passado<br />
de sofrimento, mas igualmente de resistência à opressão. Essa presença<br />
do passado como referência para as demandas do presente<br />
confere à escrita dos afro-descendentes uma dimensão histórica e<br />
política específica, que a distingue da literatura brasileira tout court. 1<br />
Publicado pela Mazza Edições em 2006, Cada tridente em seu lugar<br />
está em sua segunda edição, que foi revisada e publicada no ano seguinte.<br />
A primeira continha no título a palavra crônica, com o intuito de dar mais<br />
unidade/coesão à obra. Excluíram-se também alguns textos que tratavam<br />
das questões de gênero, textos que compõem a segunda obra da autora,<br />
1 DUARTE. <strong>Memória</strong> viva, p. 1.