Educação como Prática da Liberdade - Paulo Freire - Gestão Escolar
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que comecem mal, principiando pelo castigo que é o pau,<br />
contudo provera Deus que tão abun<strong>da</strong>nte fosse o comer e<br />
o vestir, <strong>como</strong> muitas vezes é o castigo <strong>da</strong>do por qualquer<br />
cousa pouco prova<strong>da</strong> ou levanta<strong>da</strong>...” 41<br />
Em ver<strong>da</strong>de, o que caracterizou, desde o início, a<br />
nossa formação, foi, sem dúvi<strong>da</strong>, o poder exacerbado. Foi<br />
a robustez do poder em torno de que foi se criando um<br />
quase gosto masoquista 42 de ficar sob ele a que<br />
correspondia outro, o de se ser o todo-poderoso. Poder<br />
exacerbado a que foi se associando sempre submissão.<br />
Submissão de que decorria, em conseqüência,<br />
ajustamento, a<strong>como</strong><strong>da</strong>ção e não integração.<br />
A a<strong>como</strong><strong>da</strong>ção exige uma dose mínima de<br />
critici<strong>da</strong>de. A integração, pelo contrário, exige um<br />
máximo de razão e consciência. É o comportamento<br />
característico dos regimes flexivelmente democráticos. O<br />
problema do ajustamento e <strong>da</strong> a<strong>como</strong><strong>da</strong>ção se vincula ao<br />
do mutismo a que já nos referimos, <strong>como</strong> uma <strong>da</strong>s<br />
conseqüências imediatas de nossa inexperiência<br />
democrática. Na ver<strong>da</strong>de, no ajustamento, o homem não<br />
dialoga. Não participa. Pelo contrário, se a<strong>como</strong><strong>da</strong> a<br />
determinações que se superpõem a ele. As disposições<br />
mentais que criamos nestas circunstâncias foram assim<br />
disposições mentais rigi<strong>da</strong>mente autoritárias. Acríticas.<br />
“Ninguém se abalava a passar por sol<strong>da</strong>do raso de<br />
guar<strong>da</strong> ou a ler um edital pregado à parede — são de<br />
Luccock as palavras — sem executar qualquer ato de<br />
respeito...” “Respeito que, a bem dizer — afirma Saint-<br />
Hilaire — adquirem com o leite que mamavam”, maneira<br />
irônica de se referir à herança cultural de nossa<br />
inexperiência democrática.<br />
Esta foi, na ver<strong>da</strong>de, a constante de to<strong>da</strong> a nossa<br />
vi<strong>da</strong> colonial. Sempre o homem esmagado pelo poder.<br />
Poder dos senhores <strong>da</strong>s terras. Poder dos governadoresgerais,<br />
dos capitães-gerais, dos vice-reis, do capitão-mor.<br />
Nunca, ou quase nunca, interferindo o homem na<br />
constituição e na organização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> comum.<br />
Sempre perdido na dispersão tremen<strong>da</strong> <strong>da</strong>s terras<br />
41 Antonil — Obra cita<strong>da</strong>, pág. 55.<br />
42 Gilberto Freyre.<br />
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