STF na Mídia - Para a pasta superior
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Marcelo Coelho<br />
Teatro e política não se unem numa coisa só, mas se<br />
transcendem numa catarse ritual<br />
<strong>Para</strong> vencer a crueldade é preciso ser mais cruel<br />
ainda. Ajudar o próximo é tor<strong>na</strong>r-se cúmplice da<br />
violência que o levou a pedir ajuda. Apesar de todo o<br />
progresso técnico, o preço do pão não diminui.<br />
São ideias do velho Bertolt Brecht, em ple<strong>na</strong> ebulição<br />
revolucionária europeia depois da Primeira Guerra<br />
Mundial.<br />
Quem as ressuscita, a propósito da crise econômica<br />
de Espanha, Portugal e Grécia hoje em dia, é José<br />
Celso Martinez Corrêa, no espetáculo "Acordes".<br />
Com textos de Brecht e música de Paul Hindemith,<br />
além de muitas intervenções próprias, José Celso<br />
criou uma espécie de ópera-teatro multimídia, em<br />
cartaz no Ofici<strong>na</strong> até 23 de dezembro, com<br />
transmissões ao vivo pela internet.<br />
O público é convidado a participar moderadamente do<br />
espetáculo, respondendo "sim" ou "não", como uma<br />
espécie de massa coral, às perguntas propostas pelo<br />
ence<strong>na</strong>dor.<br />
Apesar das suas presumíveis convicções de esquerda,<br />
dificilmente alguém da plateia estaria disposto a levar<br />
às últimas consequências o elogio da crueldade<br />
revolucionária defendido no texto.<br />
Nem mesmo o próprio José Celso, claro. Os atores e<br />
atrizes de sua companhia já foram mais bonitos do<br />
que atualmente, mas como sempre derramam o mel<br />
de seus olhares diretos sobre os espectadores<br />
alinhados <strong>na</strong> arquibancada do teatro.<br />
Mais do que isso, oferecem pedaços de melancia à<br />
plateia, num momento em que a peça se abre para<br />
uma espécie de comunhão eucarística. Há outras<br />
referências ao imaginário cristão, aliás muito bem<br />
integradas à <strong>na</strong>rrativa. Quando um ator se limpa da<br />
maquiagem que o desumanizava, para se tor<strong>na</strong>r<br />
"ape<strong>na</strong>s uma pessoa", seu lenço sujo de tinta azul e<br />
vermelha se apresenta como um Santo Sudário.<br />
Despir-se de si mesmo, deixar de se considerar<br />
alguém, tor<strong>na</strong>r-se "ninguém": a humildade cristã<br />
devora, nesse espetáculo, o materialismo de Brecht.<br />
FOLHA DE S. PAULO / SP - ILUSTRADA - pág.: -. Qua, 21 de Novembro de 2012<br />
Pajelanças homéricas<br />
MINISTRO GILMAR MENDES<br />
"Morte, onde está tua vitória?", perguntava São Paulo<br />
<strong>na</strong> epístola aos Coríntios. José Celso não seria José<br />
Celso, de todo modo, se não misturasse à mensagem<br />
bíblica todo tipo de referências, criando uma vasta<br />
pajelança contra o capitalismo.<br />
Assim, temos Santos Dumont pelado, mas de chapéu,<br />
tomando banho de água fria; o médico-legista Harry<br />
Shibata com uma serra elétrica; depoimentos de índios<br />
guarani-caiová; vídeos do ministro Gilmar Mendes e<br />
home<strong>na</strong>gens a Henriette Morineau.<br />
Poderiam aparecer Madame Satã e Giordano Bruno,<br />
Picasso e Friedenreich, pouco importa: a arte de José<br />
Celso, verdadeiramente grande, tem a capacidade de<br />
integrar tudo o que quiser numa bagunça que é<br />
ape<strong>na</strong>s aparente.<br />
E talvez sejam aparentes, também, as contradições e<br />
a<strong>na</strong>cronismos da "mensagem" proposta pela peça.<br />
Com certeza, apesar de todo o desespero dos<br />
portugueses, dos espanhóis e dos gregos, a crise<br />
atual não se compara à de 1929; e o preço do pão,<br />
ainda que a barbárie continue, baixou muito daqueles<br />
tempos para cá.<br />
Por isso mesmo, o Brecht vivido por Marcelo<br />
Drummond usa uma roupa dourada, e todo seu antigo<br />
esforço de mobilizar a massa da plateia é figurado,<br />
com grande poesia, pelo uso de serpenti<strong>na</strong>s brilhantes<br />
que se trançam entre os espectadores, como uma<br />
rede car<strong>na</strong>valesca e mágica, convidando-os<br />
delicadamente a sair de seus lugares.<br />
Ideais mortos são assim revividos religiosamente,<br />
sincreticamente. Teatro e política não se unem numa<br />
coisa só, mas se transcendem numa catarse ritual.<br />
Os mesmos problemas, com estilo parecido, mas sem<br />
a aspiração dionisíaca, estão presentes em outra<br />
excelente peça em cartaz. Trata-se da "Odisseia" de<br />
Homero, com dramaturgia de Samir Yazbek, direção<br />
de Marco Antonio Rodrigues e os esplêndidos atores<br />
(recém-formados) do grupo Estúdio da Ce<strong>na</strong>.<br />
Novamente, tudo pode entrar no espaço abafado do<br />
Galpão do Folias. Aquiles é Che Guevara, Penélope<br />
transformou Ítaca num vasto empreendimento<br />
imobiliário de luxo, a ilha dos lotófagos se traduz numa<br />
cracolândia admiravelmente realista.<br />
Dentro de todos esses contextos, que não parecem<br />
<strong>na</strong>da forçados graças à ence<strong>na</strong>ção vibrante e criativa,<br />
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