STF na Mídia - Para a pasta superior
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JOSÉ NEUMANNE<br />
O ESTADO DE S. PAULO / SP - ESPAÇO ABERTO - pág.: A2. Qua, 21 de Novembro de 2012<br />
Misericórdia, sim, mas só para<br />
companheiros?<br />
"De repente, não mais que de repente", como<br />
escreveu o poeta Vinícius de Moraes, os<br />
companheiros do Partido dos Trabalhadores (PT),<br />
teoricamente tão atentos às agruras da realidade<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, constataram as condições desuma<strong>na</strong>s de<br />
vida dos presidiários brasileiros. Usando uma gíriajocosa<br />
em voga nos anos 6o nos "bacuraus" da Praça<br />
do Rotary, em Campi<strong>na</strong> Grande (PB), "estão<br />
descobrindo o Brasil de bicicleta". Ninguém jamais<br />
precisou passar uma noite que fosse numa cela de<br />
prisão no Brasil para saber que, ao contrário do que se<br />
diz, esta não é uma sucursal do inferno, mas o reino<br />
de Satã é que deve ser um posto avançado de<br />
qualquer uma delas.<br />
Tudo começou com o ministro da Justiça, José<br />
Eduardo Martins Cardozo. Em palestra para<br />
empresários em São Paulo, <strong>na</strong> sema<strong>na</strong> passada, ele<br />
disse que preferia morrer a cumprir uma pe<strong>na</strong> longa<br />
em cadeias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Trata-se, evidentemente, de<br />
uma hipérbole descabida. Só um suicida prefere a<br />
morte a uma dificuldade qualquer, e <strong>na</strong> ceita este não<br />
é o caso. E o que, com a devida vênia, parece ter<br />
acio<strong>na</strong>do o alerta dele não foi um súbito amor aos<br />
pretos, pobres e prostitutas que povoam nossas<br />
infectas celas comuns, mas a perspectiva de alguns<br />
de seus mais ilustres colegas de filiação partidária<br />
virem a passar uma temporada no inferno prisio<strong>na</strong>l<br />
brasileiro.<br />
Pois é. Contrariando quaisquer expectativas no<br />
panorama da impunidade generalizada no Brasil, o exchefe<br />
da Casa Civil de Lula José Dirceu, o expresidente<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do PT José Genoino e o extesoureiro<br />
do partido Delúbio Soares foram<br />
conde<strong>na</strong>dos por corrupção ativa e formação de<br />
quadrilha. Se não houver nenhum acidente de<br />
percurso, o primeiro terá de cumprir pe<strong>na</strong> em regime<br />
fechado ao longo de, pelo menos, um ano e dez<br />
meses. Ora, ora, em princípio, o zelo do ministro<br />
solidário parece exagerado: se bicheiros e chefões de<br />
quadrilhas de traficantes cumprem pe<strong>na</strong> em pleno<br />
conforto no regime excludente que reproduz atrás das<br />
grades as injustiças sociais dos inocentes de fora, por<br />
que Dirceu seria exceção?<br />
Como os bicheiros do Rio, os criminosos de colarinho<br />
branco de Brasília e os chefões do Primeiro Comando<br />
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />
da Capital (PCC),o homem definido como o chefe da<br />
quadrilha dos "mensaleiros" disporá de todas as<br />
garantias de vida e tranqüila segurança em nosso<br />
Arquipélago Gulag, com suas ilhas de bem-estar no<br />
mar de miséria e sordidez. Pelo que deixa vislumbrar o<br />
estilo de vida de bons vinhos e charutos cubanos em<br />
condomínio de luxo, o primeiro réu do núcleo político<br />
do escândalo de corrupção em julgamento no<br />
Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal (<strong>STF</strong>) tem dinheiro, poder<br />
e prestígio para transformar os 22 meses de seu<br />
regime fechado num retiro forçado de leitura, repouso<br />
e reflexão, que podem até vir a calhar.<br />
Nem o gosto exacerbado pela ironia deste escriba<br />
poderá negar-lhe o desconforto óbvio da privação da<br />
liberdade, a cessação do fundamental direito<br />
constitucio<strong>na</strong>l de ir a vir. Mas o Estado brasileiro, de<br />
cuja máqui<strong>na</strong> burocrática detém o controle permitido<br />
pelo competente aparelhamento executado no<br />
primeiro governo Lula, do qual foi dignitário do topo e<br />
de ponta, não lhe negará o que permite aos criminosos<br />
comuns. Se, como reconheceu Cardozo em outra<br />
declaração, os quadrilheiros do crime organizado<br />
comandam hordas de bandidos <strong>na</strong>s mas, por que o<br />
mais bem- sucedido lobista do Brasil terá silenciada<br />
sua voz de comando no interior dos muros do<br />
presídio?<br />
No reino de faz da conta da República tupiniquim, não<br />
faltará quem faça o possível para reduzir as agruras<br />
dele no cárcere. O ex-companheiro Paulo de Tarso<br />
Venceslau, que arriscou a própria vida participando do<br />
seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick<br />
para libertá-lo das masmorras da ditadura, onde<br />
muitos conheceram a morte, por exemplo, já lhe<br />
garantiu publicamente a remessa de um charuto<br />
(<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l) por dia enquanto ele estiver cumprindo<br />
pe<strong>na</strong>. Embora nunca o próprio Dirceu lhe tenha<br />
mandado um cigarrinho que fosse no tempo que ele<br />
passou em prisões desuma<strong>na</strong>s.<br />
O noticiário posterior à conde<strong>na</strong>ção de Dirceu não<br />
deixa dúvidas quanto a isso. O ministro Cardozo<br />
puxou o rosário das lamentações sem dar a mínima<br />
atenção ao fato de ser um dos maiores responsáveis<br />
pela calamidade pública do sistema prisio<strong>na</strong>l brasileiro,<br />
contra a qual clamam organismos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de<br />
direitos humanos. Se reclamou da condição "medieval"<br />
(esta é a palavra da moda) das prisões, embora tenha<br />
usado ape<strong>na</strong>s um quinto do que dispunha no<br />
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