A aposta numa revista <strong>de</strong> natureza multidisciplinar sobre a experiência <strong>cultura</strong>l <strong>ibero</strong>-americana constitui um <strong>de</strong>safio ético aberto à participação daqueles que acreditam que a <strong>cultura</strong>, para além <strong>de</strong> factor <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos povos, é, ainda, vector <strong>de</strong> aproximação inter<strong>cultura</strong>l, na circunstância, entre as duas margens atlânticas. Pensamos que um projecto <strong>de</strong>sta natureza <strong>de</strong>verá traduzir uma certa epistemolização <strong>de</strong> um discurso sobre a Ibero-América, assente em motivações <strong>cultura</strong>is, éticas, estéticas e políticas suficientemente claras para todos os que queiram colaborar. Não recusamos, portanto, um método e uma programação que, aliás, o roteiro <strong>de</strong> conteúdos previamente <strong>de</strong>finido preten<strong>de</strong> expressar. Mas, ainda assim, esse método <strong>de</strong>ve ser entendido mais na acepção <strong>de</strong> caminho ou trajecto do que na sua expressão positivista. Por isso, embora tenhamos i<strong>de</strong>ias claras e distintas sobre a forma <strong>de</strong> abordar a experiência <strong>cultura</strong>l <strong>ibero</strong>-americana, não rejeitamos trabalhar com intenções e ficções <strong>de</strong> todo o género para nos aventurarmos nesse «jardim dos caminhos que se bifurcam» que é a Ibero- -América. E que po<strong>de</strong>rá ser também esta revista, em termos dos itinerários <strong>de</strong> sentidos a percorrer. Trata-se, então, <strong>de</strong> um exercício da nossa curiosida<strong>de</strong> em relação ao «velho Novo Mundo» que há quinhentos anos os nossos navegadores começaram a inventar e ao qual, hoje, com este projecto editorial, procuramos regressar, interpretando sinais, traços, distinções, semelhanças on<strong>de</strong> se espelha a alma <strong>ibero</strong>-americana cuja matriz é, também, lusófona. Da experiência indo-afro- -<strong>ibero</strong>-americana tratará, pois, esta revista, espécie <strong>de</strong> ponte sobre o Atlântico atravessada nos dois sentidos para nos reconhecermos, uns e outros, na nossa outra meta<strong>de</strong> comum. Porque para nós hoje, como no passado o foi para os navegadores ibéricos, o Atlântico não separa, antes une dois continentes. Mar <strong>de</strong> encontros, portanto, apesar do <strong>de</strong>sencontro inicial da conquista. Porque as águas que fluem nas nossas praias ibéricas, atlânticas as <strong>de</strong> Portugal, mediterrânicas as da Andaluzia, são as mesmas que banham as Antilhas, entram pelo Golfo do México e correm, <strong>de</strong>pois, rumo ao sul ao longo da costa da América do Sul, unindo-se, finalmente, ao Pacífico no Estreito <strong>de</strong> Magalhães, para voltar a subir numa viagem <strong>de</strong> circum-navegação que incessantemente recomeça. Eis a geografia exterior da Ibero-América que é, também, a referência espacial da revista e que nos leva a perguntar, como Bruce Chatwin, o que fazemos ali, no outro lado do mar, quando como turistas aci<strong>de</strong>ntais percorremos as paisagens, as gentes, as <strong>cultura</strong>s, os costumes, as gastronomias e as surpresas do «velho Novo Mundo». A história comum <strong>de</strong> encontros e <strong>de</strong>sencontros. De Vespúcio e dos cronistas das Índias a Neruda, Carpentier e Manifesto editorial João Ventura Gabriel García Márquez, quase sempre uma América inventada, imaginada, feita <strong>de</strong> encantos e <strong>de</strong>sencantos. Mas também a Ibero-América imaginada por Borges, Cortázar, Valejo, Paz, Onetti, Jorge Amado e tantos outros, cujas vidas são como as estrelas, caindo do alto do céu sobre este imenso Sul. E também aqueles que, como uma imensa corrente atlântica, <strong>de</strong>rramam nas nossas praias as novas figuras da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>ibero</strong>-americana. Os lugares <strong>de</strong> partida e <strong>de</strong> chegada da «vaga gente sem geografia cumprindo em sua carne, obscuramente, seus hábitos», como conta Borges a Pessoa. Os portos e as praias da memória. Outras travessias <strong>de</strong> ida e volta entre a sauda<strong>de</strong> e a esperança <strong>de</strong> corações emigrantes navegando num mar Atlântico em cujas águas ver<strong>de</strong>s, azuis e negras se espelha a nossa essência comum. Ver toda a América <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Machu Picchu. Das águas ver<strong>de</strong>-limão das Caraíbas às «altas solidões» dos An<strong>de</strong>s. Da infinita e ver<strong>de</strong> Amazónia aos glaciares azuis do Sul da Patagónia. Das paisagens lunares do <strong>de</strong>serto <strong>de</strong> Atacama aos inumeráveis fior<strong>de</strong>s do arquipélago <strong>de</strong> Chiloé. Viagem através dos seus «rios profundos». «Rios <strong>de</strong> raças, pátrias <strong>de</strong> raízes», no dizer <strong>de</strong> Neruda. Amazonas, Magdalena, Urubamba, Orinoco. «América arvoredo, sarça selvagem entre os mares», on<strong>de</strong> crescem o jacarandá e a araucária, mas também o café, o tabaco e o chocolate. Sobrevoada por tucanos, colibris, papagaios e condores. E on<strong>de</strong>, à noite, assoma o jaguar. Também, os lugares dos antigos construtores. Chichén Itzá,Teotihuacán, Mayapán. Resgatar da «memória do fogo» os mitos fundadores, as primeiras vozes, os lugares da criação. Quetzalcóatl. Pachacamac. As cida<strong>de</strong>s. As da ausência, a Cuzco inca ou a Tenochititlán asteca, em cujos labirintos imaginários nos per<strong>de</strong>mos. E as outras, <strong>ibero</strong>-americanas. A Cida<strong>de</strong> do Panamá, espécie <strong>de</strong> ilha cercada <strong>de</strong> selva e mar. A Cida<strong>de</strong> do México, «cida<strong>de</strong> do sol parado, cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> calcinações longas, cida<strong>de</strong> a fogo lento». Ou Santiago «das mulheres formosas com olhares <strong>de</strong> uva». Ou o Rio <strong>de</strong> Janeiro, cida<strong>de</strong> maravilhosa. Ou a secreta Buenos Aires inventada por Borges. Ou todas as outras que convidamos a <strong>de</strong>scobrir, «porque aquilo que nos interessa é o que o viajante vê». Outras inquirições, também. A Ibero-América nascida como tragédia que se repete, hoje, como melodrama na vida <strong>de</strong> todos os dias. Excesso e improvisação em cenário <strong>de</strong> telenovela. A «maracanização» do continente. Violência e narcotráfico. As tremendas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais. Mas também os novos movimentos sociais. Outras conspirações. A política entendida como «sinónimo <strong>de</strong> reconstrução, mas sobretudo <strong>de</strong> construção, na Ibero- -América». Por isso, como acredita Carlos Fuentes, a esperança <strong>de</strong> uma melhor Ibero-América, no futuro, on<strong>de</strong> a utopia dos que viveram «os cem anos <strong>de</strong> solidão» possa recuperar, finalmente, o seu rosto verda<strong>de</strong>iro.
- Page 1: Revista atlântica de cultura ibero
- Page 6 and 7: TODOS OS NOMES 4 5 ALBERTO MOSQUERA
- Page 8 and 9: LUGARES DE PARTIDA 6 Sagres Lídia
- Page 10 and 11: LUGARES DE PARTIDA 7 - Muita coisa,
- Page 12 and 13: VAGA GENTE 10 Um mineiro portimonen
- Page 14 and 15: Saudades de Chiriquí Maria Angeles
- Page 16 and 17: TRAVESSIAS 14 Quando eu era menina,
- Page 18 and 19: CIDADES INVISÍVEIS 16 Fervor de Bu
- Page 20 and 21: Buenos Aires de hoje pelos caminhos
- Page 22 and 23: CIDADES INVISÍVEIS 20 Talvez Borge
- Page 24 and 25: CIDADES INVISÍVEIS 22 23 Porta do
- Page 26 and 27: Na cidade dos livros João Ventura
- Page 28 and 29: no n.º 340, quase em frente da vel
- Page 30 and 31: de cozinha ou de jardinagem, aquele
- Page 32 and 33: CIDADES INVISÍVEIS 30 31 Os editor
- Page 34 and 35: CIDADES INVISÍVEIS 32 Delírios po
- Page 36 and 37: CIDADES INVISÍVEIS 34 Não conheç
- Page 38 and 39: CIDADES INVISÍVEIS 36 Sob este fer
- Page 40 and 41: MALA DIPLOMÁTICA 38 A CORRENTE MIG
- Page 42: MALA DIPLOMÁTICA 40 41 século XX,
- Page 45 and 46: A saga andina do Deus Con; tapeçar
- Page 47 and 48: CON E PACHACAMA O relato mítico in
- Page 49 and 50: Existi há muito nas águas pouco p
- Page 51 and 52: Rio Magdalena em Barranquilla, prin
- Page 54 and 55:
RIOS PROFUNDOS 52 53 entre uma faun
- Page 56 and 57:
Excerto da conferência Algo sobre
- Page 58:
VIDAS CONTADAS 56 NERUDA FOI UM HOM
- Page 61 and 62:
A FIGURA MATERNA A mãe de Neruda m
- Page 63 and 64:
Os espanhóis são mais generosos c
- Page 65 and 66:
Volodia e Neruda na época da const
- Page 67 and 68:
Volodia e Neruda no México, 1949 s
- Page 69 and 70:
A gata de Volodia, Miel É também
- Page 71 and 72:
«A «A morte é é simplesmente o
- Page 73 and 74:
O TERREMOTO DE 1755 OU «O MAL VEM
- Page 75 and 76:
E se a Real Biblioteca não veio ju
- Page 77 and 78:
família real portuguesa por seus b
- Page 79 and 80:
CONDICIONOU A RECEPÇÃO DA NOVIDAD
- Page 81 and 82:
«Ao ocidente rumam as naus invento
- Page 83 and 84:
do mundo novo constituía uma inven
- Page 85 and 86:
cristã. Logo, a leitura do Novo Mu
- Page 87 and 88:
Ixtac-Imaxtitlán, próximo de Tlax
- Page 89 and 90:
ou dia e noite por baixo da coberta
- Page 91 and 92:
a Equinocial. Pela do Sul confina c
- Page 93 and 94:
[...] Esta tierra es muy amena y ll
- Page 95 and 96:
Panamá, 9 de Maio de 1578 Amados h
- Page 97 and 98:
Entre los invasores de Méjico -osc
- Page 99 and 100:
Baco. Jan van der Straet [BN, EA 15
- Page 101 and 102:
vizinhos do Sul, de certo modo, inv
- Page 103 and 104:
Usavam os índios desta ilha, entre
- Page 105 and 106:
A monumental obra é ainda hoje um
- Page 107 and 108:
Portuguesa, indígena, africana, co
- Page 109 and 110:
mesa finos: pratos da Índia (rasos
- Page 111 and 112:
Em 1966, inteirei-me, através da r
- Page 113 and 114:
Jiron Junin, no centro de Lima
- Page 115 and 116:
de não sei quantos países do Mund
- Page 117 and 118:
Neruda na Isla Negra . Foto de Anto
- Page 119 and 120:
Neruda em Machu Picchu, 1943. Archi
- Page 122 and 123:
A MARESIA DO MUNDO 120 Ouvir na noi
- Page 124 and 125:
FICÇÕES 122 Lagoa Blues Tabajara
- Page 126 and 127:
FICÇÕES 124 125 Era uma manhã de
- Page 128 and 129:
FICÇÕES 126 127 Precisava avisá-
- Page 130 and 131:
CORRENTES ATLÂNTICAS 128 129 O que
- Page 132 and 133:
CORRENTES ATLÂNTICAS 130 E se Gard
- Page 134 and 135:
CORRENTES ATLÂNTICAS 132 Se Cuba f
- Page 136 and 137:
CORRENTES ATLÂNTICAS 134 durante d
- Page 138 and 139:
CORRENTES ATLÂNTICAS 136 («Amorci
- Page 140 and 141:
CORRENTES ATLÂNTICAS 138 «As fron
- Page 142 and 143:
CORRENTES ATLÂNTICAS 140 Ora, de q
- Page 144 and 145:
A COMPANHIA DOS LIVROS 142 143 O In
- Page 146:
PUBLICAÇÃO SEMESTRAL EDIÇÃO Ins