ESTRATÉGIAS DE VIDA E DE MORTE - Departamento de História ...
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e cooperação seletiva adotadas para organizar a sobrevivência e o enriquecimento, ou<br />
seja, as amplas fontes <strong>de</strong> favores, dados ou esperados, através dos quais passam<br />
informações e trocas, reciprocida<strong>de</strong>s e proteções” 16<br />
Agindo <strong>de</strong>sta maneira, Levi analisa grupos não co-resi<strong>de</strong>ntes, mas interligados<br />
por vínculos <strong>de</strong> parentesco consangüíneo ou por alianças e compadrio, o que atesta a<br />
utilização <strong>de</strong> estratégias familiares. Segundo o autor, o que orientava as ações das<br />
famílias era a procura <strong>de</strong> segurança, na qual a conservação <strong>de</strong> um status era a sua<br />
transmissão <strong>de</strong> geração em geração. Aqui o conceito <strong>de</strong> estratégia familiar assume uma<br />
<strong>de</strong>finição diferenciada: para Giovanni Levi “não se tratava tanto <strong>de</strong> um objetivo, e sim<br />
<strong>de</strong> um vínculo preliminar <strong>de</strong> comportamentos que tentavam melhorar o controle sobre o<br />
ambiente social e natural”. 17 Isto é, as estratégias familiares não eram algo racional, mas<br />
sim, resultado das experiências do grupo familiar ao longo do tempo. *<br />
Um ponto importante e que se encontra no centro da obra <strong>de</strong> Levi é a questão <strong>de</strong><br />
bens <strong>de</strong> prestígio. Isto é, o dinheiro não era só investido em terras e bens negociáveis no<br />
mercado, mas na tentativa <strong>de</strong> manter e aumentar um prestígio que não era totalmente<br />
reconhecido pelas leis e pelos usos, <strong>de</strong>sta forma surge o problema <strong>de</strong> transmitir para as<br />
gerações sucessivas um “patrimônio fluído, feito <strong>de</strong> relações e posições instáveis, uma<br />
herança feita <strong>de</strong> reservas concretas mas imateriais”. 18 Isso interfere na análise <strong>de</strong> João<br />
Luís Fragoso acerca dos “Homens <strong>de</strong> grossa aventura”, ou seja da elite mercantil no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro colonial.<br />
Fragoso percebeu, através da análise <strong>de</strong> inventários do Rio <strong>de</strong> Janeiro do século<br />
XVIII e XIX, que na socieda<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong>ssa época a produção e a apropriação do<br />
trabalho exce<strong>de</strong>nte, fontes <strong>de</strong> riqueza, não resultava somente <strong>de</strong> condições econômicas.<br />
Tudo isto estava sujeito a existência <strong>de</strong> uma hierarquia que sublinhava as diferenças<br />
entre os grupos sociais em termos <strong>de</strong> prestígio e po<strong>de</strong>r. Deste modo, os investimentos<br />
dos comerciantes em “bens <strong>de</strong> prestígio”, serviam para reiterar a hierarquia social,<br />
garantindo a própria reprodução das relações <strong>de</strong> produção. Essa preocupação da elite,<br />
16<br />
Levi, Giovanni. A herança imaterial. A trajetória <strong>de</strong> um exorcista no Piemont do século XVII. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Civilização brasileira, 2002, p. 98.<br />
17<br />
ibi<strong>de</strong>m p. 99<br />
*<br />
nos termos <strong>de</strong> Bourdieu: “os agentes sociais são dotados <strong>de</strong> habitus, inscritos nos corpos pelas<br />
experiências passadas: tais esquemas <strong>de</strong> percepção, apreciação e ação permitem tanto operar atos <strong>de</strong><br />
conhecimento prático, fundados no mapeamento e no reconhecimento <strong>de</strong> estímulos condicionais e<br />
convencionais a que os agentes estão dispostos a reagir, como também a engendrar, sem posição explícita<br />
<strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>s nem cálculo racional <strong>de</strong> meios, estratégias adaptadas e incessantemente renovadas (...)”<br />
(IN: Bourdieu, Pierre. Meditações pascalianas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 169, itálico meu)<br />
18<br />
Levi, A herança, ibi<strong>de</strong>m, p. 195.<br />
16