ESTRATÉGIAS DE VIDA E DE MORTE - Departamento de História ...

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com que os negócios pertencentes e administrados por famílias se tornasse a forma predominante de organização econômica no Brasil colonial e que ainda hoje perdura. 62 No processo do inventário de Dona Maria Ursulina Mendes de Sá, falecida no ano de 1882, não há referência a nenhum gasto com ritos fúnebres. Porém, há anexado recibos de serviços prestados por diferentes pessoas relacionados ao seu funeral. Somando-se os gasto tem-se um total de 440$000, muito mais acima da média que encontrei para o período de 1880 a 1886. i Nos recibos encontram-se vários itens relacionados com o ritual fúnebre como panos, luvas, velas, e outros mais relacionados com a feitura do caixão, como taxas, parafusos, argolas e cadeados. Um item interessante no quesito religioso presente nos recibos de dona Maria Ursulina é a descrição de uma missa de réquiem e mementos no funeral, realizados por Francisco Alves Pereira de Araújo, provavelmente um músico que prestava este tipo de serviço para diversas pessoas. O memento era composto de músicas que celebrassem o ato fúnebre. 63 Privilégios de poucos, o formato desta cerimônia nos informa a importância de Maria Ursulina na região. Em 1878, morre outro membro desta família, o padre Matias Carneiro Mendes Sá aos 65 anos de idade, deixando um dos maiores legados de sua geração. Aliás, ele foi uma das pessoas mais ricas da vila de São José dos Pinhais em toda a segunda metade do século XIX, com um monte-mor superior a 19:000$000 (dezenove contos de réis). Dentre os inventariados no período de 1852 a 1886, ele possuí a sexta maior riqueza. Pelos seus bens descritos no seu inventário, iniciado no mesmo ano de sua morte, notamos que o padre possuía diversas partes de terra na vila de São José e uma parte de terra em Santo Amaro, termo de Castro. Em suas terras havia vários animais, alguns provavelmente eram locados para transporte de cargas para outras regiões ou mesmo pela região: éguas, potros, cavalos e cangalhas (armação que sustenta a carga no lombo de animais) sugerem esta função em um mundo rural. Num ambiente onde a auto- subsistência sinalizava um dos poucos meios de sobrevivência, a presença de vacas, novilhos e objetivos utilizados na caça, como espingardas, contidos no inventário do padre Matias, serviram para a geração de gêneros para os próprios moradores da sua unidade produtiva. 62 Kusnesof, Elizabeth. Property law and family strategies: inheritance and corporations in Brazil: 1800- 1960. American Historical Association, Illinois. (mimeo) 63 Recibos de gastos fúnebres. Inventários post-mortem. Procuração 45, maço 4, caixa. 6004. II Cartório da Vara Cível de São José dos Pinhais. 44
Em seu inventário não há menção de posse de nenhum escravo. Porém, se levarmos em consideração que uma forma comum de legar bens a terceiros era a doação pré-mortem, 64 isto é, quando o indivíduo possuidor de bens se aproximava da morte ou a pressentia, poderia facilmente fazer uma doação a quem desejasse, podemos cogitar que o padre pudesse ter doado seus escravos em vida. Apesar de não haver referências claras a esta opção nos inventários, podemos ponderar que as doações representavam uma alternativa para grandes proprietários que não queriam ter qualquer problema de herança. O número significativo de doações realizadas por irmãos, leva Sampaio a chamar a atenção para a importância dos irmãos no encaminhamento da reprodução familiar. 65 Se estendermos essa alternativa para o sistema de herança, podemos visualizar a família Mendes de Sá utilizando-se destas estratégias. O tenente Candido Mendes de Sá, deixa a grande parte de seus bens para três de suas irmãs; o padre lega seus bens para suas irmãs entre outros parentes. Podemos entender essas estratégias como uma tentativa de manter coesa a riqueza familiar, não a fragmentando. Mas o que é certo no inventário é que o padre utilizava mão-de-obra de negros. Em seu inventário aparece descrito um contrato de locação de serviços por parte de um liberto. Mesmo que não possuísse nenhum escravo, o padre dispunha de uma mão-de- obra acostumada com o trabalho agrícola. Levando em consideração estas observações, iremos perceber que a maior parte dos vinte e quatro mais ricos, aqui considerados aqueles inventariados que possuíam um monte-mor superior a 10:000$000, eram donos de escravos. Em apenas dois casos entre os mais ricos havia ausência de escravos: Ana Ricarda, inventariada em 1873 e o próprio padre Matias Carmino Mendes de Sá. Para o primeiro caso, a não presença de escravos pode parecer inexplicável num primeiro momento, pois a inventariada além de ter possuído seis filhos, todos acima de 30 anos, possuía terras produtivas em diversas partes da vila: “terreno de ervais em Cachoeira”, “terreno lavradio e de erval no Campestre”, entre outros. Além de possuir mais de 70 animais como vacas, cavalos e bestas, espalhados pelas suas propriedades. Tudo isto sugere que deveria haver algum tipo demão-de-obra que pudesse movimentar toda estas propriedades, o que me leva a considerar duas alternativas: a)os escravos haviam sido dados aos filhos em vida para 64 sobre doações ver Sampaio, Na encruzilhada, opus cit., p. 293. 65 Ibidem, p. 294 45
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