Anais do II Simpósio Nacional de Musicologia - EMAC - UFG
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Não sem razão, as aulas <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> nossa infância ficavam espremidas entre as disciplinas<br />
consi<strong>de</strong>radas “mais sérias e importantes”, reforçan<strong>do</strong> assim mais um conflito básico: a divisão entre o<br />
útil e o agradável.<br />
Para Duarte Jr (1995) esta cisão acaba se refletin<strong>do</strong> em nossa sensibilida<strong>de</strong> e organização<br />
interior; passamos a separar nossos sentimentos e emoções <strong>de</strong> nosso raciocínio e intelecção.<br />
Estamos dividi<strong>do</strong>s e compartimenta<strong>do</strong>s num mun<strong>do</strong> altamente especializa<strong>do</strong> e, se quisermos<br />
alcançar “sucesso”, <strong>de</strong>vemos manter esta compartimentação. Por isso nossas escolas iniciam-nos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
ce<strong>do</strong>, na técnica <strong>do</strong> esquartejamento mental. Ali <strong>de</strong>vemos ser apenas um homem pensante. As emoções<br />
<strong>de</strong>vem ficar fora das quatro pare<strong>de</strong>s das salas <strong>de</strong> aula, a fim <strong>de</strong> não atrapalharem nosso <strong>de</strong>senvolvimento<br />
intelectual (Duarte Jr, 1995, p.13).<br />
Consi<strong>de</strong>ra-se que a escrita, o cálculo, a história <strong>de</strong>vem ser aprendi<strong>do</strong>s, pois vão ao encontro<br />
da pedagogia <strong>do</strong> racional e <strong>do</strong> trabalho. Quanto à arte, a visão ainda pre<strong>do</strong>minante em muitas escolas<br />
coleciona conceitos vagos que privilegiam a inspiração, o <strong>do</strong>m inato, o mistério, a sensibilida<strong>de</strong><br />
espontânea e “à flor da pele”.<br />
Entretanto, as categorias atuantes no discurso estético não são em absoluto misteriosas ou<br />
inatas, constituem produtos <strong>de</strong> origem cultural. O imediato é, na verda<strong>de</strong>, media<strong>do</strong>; o talento po<strong>de</strong> ser<br />
forma<strong>do</strong>, a inspiração adquirida, a emoção preparada, a sensibilida<strong>de</strong> construída (Porcher, 1973).<br />
A sensibilida<strong>de</strong> está relacionada com o potencial cria<strong>do</strong>r e com a afetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos,<br />
que se <strong>de</strong>senvolve num contexto cultural <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>. A sensibilida<strong>de</strong> e a critivida<strong>de</strong> não se restringem<br />
ao espaço da arte. Criar é algo interliga<strong>do</strong> a viver, no mun<strong>do</strong> humano. A estética é, na verda<strong>de</strong>, uma<br />
dimensão da existência, <strong>do</strong> agir humano. (...) Ao produzir sua vida, ao construí-la, o indivíduo realiza<br />
uma obra, análoga à obra <strong>de</strong> arte. É justamente aí que ele se afirma como sujeito, que ele produz sua<br />
subjetivida<strong>de</strong> (Rios, 2002, p. 97).<br />
Para Duarte Jr (1995), ela também é fundante da conscientização <strong>do</strong> próprio eu, da capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> escolha e da capacida<strong>de</strong> crítica para selecionar e recriar valores segun<strong>do</strong> a situação existencial <strong>do</strong><br />
educan<strong>do</strong>. Propicia, no agir cotidiano, uma melhor integração <strong>de</strong> sentimentos, imaginação e razão<br />
possibilitan<strong>do</strong> assim uma atitu<strong>de</strong> mais harmoniosa e equilibrada perante o mun<strong>do</strong><br />
Trazen<strong>do</strong> esses conceitos e concepções para o campo <strong>do</strong> ensino-aprendizagem da música,<br />
particularmente <strong>do</strong> piano, e movida pelo interesse <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r melhor inquietações pessoais<br />
pertinentes à minha prática pedagógica, passei a fazer uma análise crítica da meto<strong>do</strong>logia tradicionalmente<br />
empregada no ensino <strong>do</strong> piano no Brasil.<br />
Concluí que a gran<strong>de</strong> maioria das escolas <strong>de</strong> música em nosso país mergulha suas raízes na<br />
concepção técnica da ativida<strong>de</strong> profissional.<br />
O professor, em função <strong>do</strong> alto grau <strong>de</strong> realce atribuí<strong>do</strong> à racionalida<strong>de</strong> técnica, volta-se<br />
quase que inteiramente à solução <strong>do</strong>s problemas da técnica pianística <strong>do</strong> aluno e sua práxis é marcada<br />
pela objetivida<strong>de</strong>. Preocupações estéticas e éticas, fundamentais na relação <strong>do</strong> indivíduo com outros<br />
seres humanos, consigo mesmo e com a natureza (Goergen, 2005), não parecem ser valorizadas ou<br />
percebidas como elementos constituintes <strong>do</strong> saber e <strong>do</strong> fazer <strong>do</strong>cente.<br />
O estu<strong>do</strong> solitário, e não o solidário, é o valor maior.<br />
O pianista, ilha<strong>do</strong> entre quatro pare<strong>de</strong>s, e inteiramente volta<strong>do</strong> à solução <strong>do</strong>s problemas da<br />
técnica pianística, permanece em uma espécie <strong>de</strong> luta isolada cujo resulta<strong>do</strong> é, a um só tempo, favorável<br />
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