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Anais do II Simpósio Nacional de Musicologia - EMAC - UFG

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há uma mediação hologramática, a estrutura biopsíquica expressa suas informações no universo social<br />

e interage com este. Para Morrin (2001a e 2001b), é da natureza <strong>do</strong> homem e <strong>de</strong> diversos componentes<br />

<strong>do</strong> cosmos a holografia, isto é, a reprodução <strong>de</strong> suas informações em diversos planos. Embora não exista<br />

autonomamente um YHWH ou um Júpiter, estas criações humanas encerram em si parte <strong>do</strong>s Homo<br />

sapiens que as constroem e sua construção, em contrapartida, afeta o mo<strong>do</strong> com que os atores sociais<br />

significam outros elementos da realida<strong>de</strong>.<br />

Na construção narrada <strong>do</strong> rito <strong>de</strong> consagração <strong>do</strong>s atabaques, é percebi<strong>do</strong> que to<strong>do</strong> o corpo<br />

sacer<strong>do</strong>tal não só participa como consome a carne <strong>do</strong> galo e as vísceras <strong>de</strong>ste são oferecidas aos Orixás.<br />

Isso significa que naquele momento estão se ligan<strong>do</strong> uns aos outros e ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Oxalá (representa<strong>do</strong><br />

pelo azeite <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndê). Assim, através <strong>do</strong> rito, dissolvem a concepção ordinária oci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> hierarquia,<br />

estabelecen<strong>do</strong> significações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res em forma <strong>de</strong> teia, on<strong>de</strong> cada humano é um no<strong>do</strong> <strong>de</strong> informação<br />

e po<strong>de</strong>r, por um la<strong>do</strong> individual, por outro uma mera manifestação particularizada <strong>de</strong> um mesmo ser<br />

universal. Esta narrativa <strong>de</strong> ligação é recorrente em diversas culturas e <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> pelos alquimistas<br />

pelo termo anima mundi (Jung 1964). Este mesmo princípio é novamente reproduzi<strong>do</strong> nos ritos, quan<strong>do</strong>,<br />

através <strong>do</strong>s atabaques, os ogans ligam através <strong>de</strong> símbolos sonoros to<strong>do</strong>s os participantes <strong>do</strong> rito e as<br />

entida<strong>de</strong>s cultuadas no imaginário <strong>do</strong>s mesmos. Assim os sacer<strong>do</strong>tes não reverenciam o outro como<br />

quem reverencia algo alheio a si, reverenciam a si mesmos no outro e vice-versa. Assim como no mito os<br />

Orixás or<strong>de</strong>nam os acontecimentos <strong>do</strong> universo, os ogans, muni<strong>do</strong>s <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>do</strong>s Orixás, or<strong>de</strong>nam to<strong>do</strong><br />

o ritual através <strong>do</strong>s sons. Nisso resi<strong>de</strong> a conexão simbólica com a memória afro-brasileira.<br />

O reavivar <strong>de</strong>sta memória é feito através das expressões artísticas <strong>do</strong> terreiro, pois para os<br />

inicia<strong>do</strong>s elas simbolizam os gran<strong>de</strong>s feitos <strong>do</strong>s reis e famílias nobres da África. Seja através <strong>de</strong> narrativas<br />

épicas, <strong>de</strong>clamadas ou cantadas contra o batucar <strong>do</strong>s tambores, estes narrares são trazi<strong>do</strong>s à baila e se<br />

misturam a conteú<strong>do</strong>s políticos e sociais, ressignifican<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r e da hierarquia vivenciada<br />

pelos escravos em meio a uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> raízes escravocratas. Estas músicas perfazem uma linguagem<br />

imantada que possibilita a manutenção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo auto<strong>de</strong>fensivo <strong>do</strong>s grupos marginaliza<strong>do</strong>s, esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

e validan<strong>do</strong> novos laços i<strong>de</strong>ntitários que extrapolam o terreiro, sen<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>s no samba, no jongo, na<br />

capoeira, <strong>de</strong>ntre outros gêneros. Deste mo<strong>do</strong>, as memórias <strong>do</strong>s míticos matriarcas e patriarcas africanos,<br />

através da música e <strong>do</strong>s pontos canta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s ogans, não fomentam apenas trocas simbólicas, mas, nas<br />

palavras <strong>de</strong> Nascimento (2008), realizam verda<strong>de</strong>iras “trocas sociais fomentadas pelas trocas simbólicas”.<br />

Através <strong>de</strong>ste rizoma sonoro, os ogans veicularam símbolos que expressam as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s negros e <strong>de</strong><br />

seus antepassa<strong>do</strong>s, incluin<strong>do</strong> narrativas no macro tronco <strong>de</strong> narrativas <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s brasileiros.<br />

Como resulta<strong>do</strong> disto, aquilo que era “<strong>do</strong> escravo” ou “<strong>do</strong> caboclo” se tornou passível <strong>de</strong> ser<br />

apropria<strong>do</strong> por cidadãos <strong>de</strong>sta república lusófona. E, assim como o <strong>de</strong>ndê une simbolicamente as partes<br />

individuais ao to<strong>do</strong> <strong>do</strong> terreiro, os ogans uniram os mitos <strong>do</strong>s outrora oprimi<strong>do</strong>s aos mitos daqueles que os<br />

oprimiram, contribuin<strong>do</strong> para a construção <strong>do</strong> macrocosmo daquilo que é <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> como brasilida<strong>de</strong>.<br />

conclusão<br />

Integran<strong>do</strong> todas as informações expostas enten<strong>de</strong>-se que nas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s representadas<br />

através <strong>do</strong>s ogans e <strong>de</strong> seus instrumentos consagra<strong>do</strong>s, são encontradas diversas relações dialógicas que<br />

unem a mitologia e as representações <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> imaginário afro-brasileiro ao macro-imaginário<br />

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