32 TempoLivre <strong>Fevereiro</strong> <strong>2008</strong> Chakall Sabores do mundo Argentino e viajante pelos vários continentes acabou de publicar “Cozinha Divina”, um livro cheio de cor e de vivências.
DE TURBANTE, prepara um delicioso ceviche de salmão numa esplanada das Caldas da Rainha. Acedeu, assim, ao convite da livraria 107 que costuma promover encontros com os autores. Um público atento, assiste ao desempenho culinário deste argentino. Na hora da degustação, todos aprovam a divina iguaria. Vamos por partes. Chakall, antes de se render aos encantos dos fogões, foi jornalista durante sete anos. “Tenho o curso, mas nunca fui buscar o diploma”, diz. Nas veias corre-lhe sangue galego, basco, francês, italiano, alemão e índio, o que dá uma mistura explosiva a nível físico. Talvez devido a essa salgalhada de culturas, pende-lhe o pé para o nomadismo. Antes de aterrar na Europa percorreu a América Latina de mota. ”Fiz onze mil quilómetros”, recorda. Os seus olhos esverdeados brilham quando recupera as memórias dos sete países africanos que visitou. “Apaixonei-me por África. Convivi com gente interessantíssima, não ligo à geografia, só me interessam as pessoas”. Sentiu uma felicidade intensa que palavra alguma do mundo ajudaria a descrever. Jamais esquecerá o lombo de gazela, temperado com azeite, limão, mel e cominhos, que preparou no deserto do Sudão. “Fiz uma fogueira e assei-o lentamente, à luz da lua cheia. Nunca uma refeição me soube tão bem”. Já não apreciou tanto as minhocas secas e os bifes de hipopótamo que comeu na Zâmbia. Do pólo Norte ao cabo das Agulhas foi descobrindo os segredos da cozinha, a que não atribui qualquer mistério. Acha a comida portuguesa “fantástica”, até já inventou algumas receitas de bacalhau, superan- PAIXÕES do-se no apuro dos sabores. Sente prazer em cozinhar, gosta do prazer de dar prazer. Pertence a uma família de restauradores, desde há quatro gerações. O quinto de uma prole de seis irmãos, nasceu em 1972 em Tibre, Buenos Aires. Cresceu num ambiente dominado pelas massas e as carnes de vaca suculentas. Ainda criança, aprendeu a técnica dos folhados e dos recheios. Amigo de cirandar, conta como se perdeu nos campos. Já noite cerrada, chegou a casa à hora de jantar. A partir dessa aventura, ganhou o nome de Chakall. Como se define? “Venho da classe média, quando havia classe média na Argentina. Cresci no horror das ditaduras militares em que eram atiradas pessoas dos aviões. Não sou de esquerda nem de direita. Não acredito nas utopias de mudar o mundo. Respeito os outros, as diferenças religiosas e sou contra a violência. Penso que vivo com coerência e autenticidade”, sublinha. Desconfia da classe política que “parece apostada em frustrar as pessoas”. Mas vota, nem que seja em branco. É corajoso. Não teme o fracasso nem a morte. “O medo impede que avancemos. Há que perder o medo do ridículo, o medo cristão do pecado, o medo de relativizar as coisas. Encaro a morte com inconsciência, venho de uma família de loucos. O meu irmão <strong>Fevereiro</strong> <strong>2008</strong> TempoLivre 33