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DE TURBANTE, prepara um delicioso<br />
ceviche de salmão numa<br />
esplanada das Caldas da Rainha.<br />
Acedeu, assim, ao convite da<br />
livraria 107 que costuma promover<br />
encontros com os autores. Um<br />
público atento, assiste ao desempenho<br />
culinário deste argentino.<br />
Na hora da degustação, todos aprovam<br />
a divina iguaria. Vamos por<br />
partes. Chakall, antes de se render<br />
aos encantos dos fogões, foi jornalista<br />
durante sete anos. “Tenho o<br />
curso, mas nunca fui buscar o<br />
diploma”, diz. Nas veias corre-lhe<br />
sangue galego, basco, francês, italiano,<br />
alemão e índio, o que dá uma<br />
mistura explosiva a nível físico.<br />
Talvez devido a essa salgalhada de<br />
culturas, pende-lhe o pé para o<br />
nomadismo. Antes de aterrar na<br />
Europa percorreu a América Latina<br />
de mota. ”Fiz onze mil quilómetros”,<br />
recorda.<br />
Os seus olhos esverdeados brilham<br />
quando recupera as memórias<br />
dos sete países africanos que visitou.<br />
“Apaixonei-me por África. Convivi<br />
com gente interessantíssima,<br />
não ligo à geografia, só me interessam<br />
as pessoas”. Sentiu uma felicidade<br />
intensa que palavra alguma<br />
do mundo ajudaria a descrever.<br />
Jamais esquecerá o lombo de gazela,<br />
temperado com azeite, limão,<br />
mel e cominhos, que preparou no<br />
deserto do Sudão. “Fiz uma fogueira<br />
e assei-o lentamente, à luz<br />
da lua cheia. Nunca uma refeição<br />
me soube tão bem”. Já não apreciou<br />
tanto as minhocas secas e os bifes<br />
de hipopótamo que comeu na<br />
Zâmbia.<br />
Do pólo Norte ao cabo das Agulhas<br />
foi descobrindo os segredos da<br />
cozinha, a que não atribui qualquer<br />
mistério. Acha a comida portuguesa<br />
“fantástica”, até já inventou algumas<br />
receitas de bacalhau, superan-<br />
PAIXÕES<br />
do-se no apuro dos sabores. Sente<br />
prazer em cozinhar, gosta do prazer<br />
de dar prazer. Pertence a uma família<br />
de restauradores, desde há<br />
quatro gerações. O quinto de uma<br />
prole de seis irmãos, nasceu em<br />
1972 em Tibre, Buenos Aires. Cresceu<br />
num ambiente dominado pelas<br />
massas e as carnes de vaca suculentas.<br />
Ainda criança, aprendeu a técnica<br />
dos folhados e dos recheios.<br />
Amigo de cirandar, conta como se<br />
perdeu nos campos. Já noite cerrada,<br />
chegou a casa à hora de jantar. A<br />
partir dessa aventura, ganhou o<br />
nome de Chakall.<br />
Como se define? “Venho da classe<br />
média, quando havia classe média<br />
na Argentina. Cresci no horror das<br />
ditaduras militares em que eram<br />
atiradas pessoas dos aviões. Não<br />
sou de esquerda nem de direita.<br />
Não acredito nas utopias de mudar<br />
o mundo. Respeito os outros, as diferenças<br />
religiosas e sou contra a<br />
violência. Penso que vivo com coerência<br />
e autenticidade”, sublinha.<br />
Desconfia da classe política que<br />
“parece apostada em frustrar as<br />
pessoas”. Mas vota, nem que seja<br />
em branco. É corajoso. Não teme o<br />
fracasso nem a morte. “O medo impede<br />
que avancemos. Há que perder<br />
o medo do ridículo, o medo<br />
cristão do pecado, o medo de relativizar<br />
as coisas. Encaro a morte<br />
com inconsciência, venho de uma<br />
família de loucos. O meu irmão<br />
<strong>Fevereiro</strong> <strong>2008</strong> TempoLivre 33